Tentativa de feminicídio

Réu por esfaquear mulher é solto e Justiça alega "mudança de endereço da vítima"

Decisão revogou a prisão preventiva, apesar da gravidade do ataque. Magistrada apontou alteração no domicílio da vítima como fator de redução de risco

"A distância geográfica reduz significativamente as oportunidades de encontros fortuitos e dificulta a concretização de eventuais intenções de aproximação ou intimidação", registrou a juíza Gláucia Barboza Rizzo  -  (crédito:  Maurenilson Freire/CB/D.A Press)
"A distância geográfica reduz significativamente as oportunidades de encontros fortuitos e dificulta a concretização de eventuais intenções de aproximação ou intimidação", registrou a juíza Gláucia Barboza Rizzo  - (crédito: Maurenilson Freire/CB/D.A Press)

Ao verem a mãe caída ao chão e ferida por sete golpes de faca, os filhos de Fernanda*, de 4 e 6 anos, perguntaram a uma testemunha: “Tia, minha mãe morreu?”. A tentativa de feminicídio ocorreu dentro da casa da vítima, em São Sebastião, na tarde de 31 de maio. O crime teria sido cometido por Marcelo Alves da Silva, então companheiro da mulher. Ele foi preso, mas, quase três meses depois, a Justiça decidiu que a mudança de endereço da vítima “mitiga substancialmente o risco de contato direto e imediato com o acusado”. Na mesma decisão, a magistrada Gláucia Barboza Rizzo determinou o uso de tornozeleira eletrônica e ordenou: “Expeça-se, com urgência, alvará de soltura”.

Fique por dentro das notícias que importam para você!

SIGA O CORREIO BRAZILIENSE NOGoogle Discover IconGoogle Discover SIGA O CB NOGoogle Discover IconGoogle Discover

Leia também: Jovem distribui facas para pessoas em situação de rua no Paranoá

Fernanda e Marcelo mantiveram um relacionamento por quase sete anos, embora não fossem casados no papel. Tiveram dois filhos. A vítima descreveu a união como “tranquila” na maior parte do tempo, mas fez ressalvas quanto ao uso de drogas. Sob efeito de entorpecentes e álcool, segundo relatou, Marcelo a agredia, empurrava, brigava e demonstrava comportamento possessivo. Em uma das discussões, Fernanda precisou levar pontos após se ferir com estilhaços de um espelho.

Na noite de 30 de maio, o casal consumiu bebida alcoólica na casa de uma amiga. De madrugada, entre 4h e 5h, ocorreu a primeira discussão intensa. Cerca de uma hora e meia depois, os dois voltaram para casa e continuaram a beber. De acordo com a denúncia oferecida pelo Ministério Público, “após discussão motivada pelo fato de o denunciado acreditar que a vítima o havia traído, Marcelo, supostamente com vontade de matar, teria desferido múltiplos golpes de faca contra a vítima, atingindo-a no tórax, na face e no ombro”.

Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular

O diagnóstico de hemopneumotórax exigiu drenagem cirúrgica de urgência. Segundo os autos, Fernanda só não morreu porque foi socorrida a tempo. “O delito teria sido praticado na frente dos filhos do casal, um com 4 e o outro com 6 anos de idade, e, após a ação, o denunciado teria pulado o portão da residência e fugido, dispensando a faca no quintal”, descreve a denúncia.

Leia também: Mulher é presa por tráfico ao se esconder da Polícia na Ceilândia

Uma vizinha relatou ter ouvido as crianças gritando e, após a vítima cair, elas perguntaram, assustadas. “Tia, a minha mãe morreu?”. Ferido com uma lesão abaixo do ombro, Marcelo procurou atendimento na UPA de São Sebastião e foi detido na própria unidade de saúde.

Soltura


Nas alegações finais, o MPDFT pediu a pronúncia do réu nos termos da denúncia e requereu a manutenção da prisão preventiva. A defesa pediu a absolvição. A decisão da juíza Gláucia Barbosa foi dupla. Marcelo foi pronunciado para julgamento perante o Tribunal do Júri e, na sequência, teve a prisão preventiva revogada, substituída por medidas cautelares diversas.

A defesa sustentou a “inexistência de risco à ordem pública ou à vítima”, além do “comportamento colaborativo”, da primariedade e da existência de residência fixa, trabalho e vínculos familiares sólidos. Os argumentos foram acolhidos.

Leia também: Viva Flor tem renovada a proteção a mulheres vítimas de violência no DF

Na fundamentação, a magistrada destacou que a vítima mudou de endereço. Escreveu: “Considerando os novos elementos trazidos aos autos, notadamente a notícia de que a vítima não mais reside na circunscrição de São Sebastião, bem como a existência de medida protetiva de urgência em vigor devidamente expedida e notificada, impõe-se uma reavaliação da necessidade e adequação da manutenção da prisão preventiva”.

“A distância geográfica reduz significativamente as oportunidades de encontros fortuitos e dificulta a concretização de eventuais intenções de aproximação ou intimidação”, registrou a juíza.

Com isso, Marcelo passou a responder em liberdade, submetido a comparecimento mensal em juízo, proibição de contato e de aproximação com a vítima, familiares e testemunhas — com distância mínima de 300 metros — , impedimento de sair do DF e monitoração eletrônica. A vítima, esfaqueada sete vezes, foi quem teve de sair de casa.

Ao Correio, o Ministério Público afirma respeitar a decisão, porém discorda e, por isso, apresentou recurso ao Tribunal de Justiça, requerendo o restabelecimento da prisão preventiva do acusado.

A reportagem entrou em contato com o Tribunal de Justiça do DF e aguarda retorno.

  • Google Discover Icon
postado em 27/11/2025 17:44
x