Casas destelhadas, queda de árvores, placas entortadas e ruas cheias de lama. As fortes chuvas que atingiram o Distrito Federal entre a tarde e a noite de domingo, e voltaram a cair na manhã de ontem, deixaram um rastro de estragos e preocupação em várias regiões. De acordo com o Sistema de Monitoramento de Chuvas Urbanas Intensas da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento (Adasa), as 42 estações do DF registraram uma média de 77,9 milímetros de chuva entre domingo e segunda-feira — sendo 75,1mm apenas ontem. As áreas mais afetadas foram Sobradinho (127,2mm), Ceilândia (111,8mm), Águas Claras (111,4mm) e Riacho Fundo (104,6mm). Segundo Olívio Bahia, meteorologista do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), os valores são altos para um único dia de chuva e podem aumentar no decorrer da semana.
Na QS 16 do Riacho Fundo II, a secretária Marizete Cerqueira, 53 anos, relatou que nunca havia enfrentado uma tempestade tão intensa como a de domingo. Na hora da chuva, ela não estava em casa — apenas a filha e o noivo, que telefonaram desesperados. "Eles disseram que estava caindo tudo. As telhas do quarto despencaram e a água começou a entrar", contou. Parte da cobertura da garagem cedeu e atingiu o carro estacionado, quebrando o vidro e amassando a lataria. "Foi desesperador, porque a gente nunca espera uma coisa dessas", lamentou.
Apesar dos prejuízos, para Marizete o mais importante é que ninguém se feriu. "Entre cacos e telhas, restaram as vidas. Isso é o mais importante", afirmou. Com a previsão de mais chuva para a semana, o receio permanece. "O coração fica apertado, com medo que a situação se repita. Ainda mais agora, que o telhado já está fragilizado e nós, também", comentou Marizete, preocupada.
Na QS 14, a monitora escolar Queren Hapuque, 40, tenta contabilizar os prejuízos causados pelo temporal. Ela contou que, no momento da chuva, o marido estava sozinho em casa. "Ele me ligou desesperado contando que a chuva e o vento tinham arrancado todo o telhado do segundo andar", relembrou. "Molhou tudo. Estragou os colchões, os guarda-roupas e a televisão. Passamos a noite toda sem cobertura, com a água entrando sem parar. Tivemos de dormir na sala, que fica na parte de baixo", relatou.
Segundo ela, com a chuva contínua e o comércio fechado, no domingo, não havia onde buscar ajuda. Só na manhã de ontem, o proprietário do imóvel levou os filhos para auxiliar na troca das telhas e tentar recuperar parte do que foi perdido. "Ele se disponibilizou a vir ajudar, pois não sabíamos o que fazer. Até porque a chuva ainda não parou, e já perdemos tudo lá em cima", lamentou.
O aposentado Nildomar Morais, 62, também teve parte do telhado arrancado pela força do vento. De acordo com ele, ao chegar em casa, encontrou a água escorrendo pela sala e pela área externa. "Foi uma chuva devastadora", comentou. Morais e a esposa passaram a noite retirando a água com rodos, temendo que o forro de gesso cedesse. Apesar dos danos, a família não perdeu móveis nem eletrodomésticos. A administração regional enviou uma equipe e instalou telhas provisórias para evitar novos alagamentos. "Graças a Deus está sendo resolvido", disse Morais.
Lama no comércio
Na Asa Norte, a situação se agravou para os comerciantes na manhã de ontem. Na 716 Norte, uma obra de revitalização do estacionamento em frente a um complexo comercial dificulta o trânsito de pedestres e veículos por conta da lama. Fernanda Nicolau, 25 anos, relata que, desde o início das obras, o trecho em frente ao local onde trabalha permanece tomado pelo barro. Com as chuvas dos últimos dias, o transtorno se intensificou e passou a afetar o movimento do estúdio de beleza onde atua.
"Os carros atolam, não dá para estacionar, e as clientes acabam desistindo. A gente perde os atendimentos, têm dificuldade para vir trabalhar e voltar para casa. É bem complicado", afirmou. A previsão de mais chuva nesta semana preocupa, mas Fernanda diz que não há alternativa. "Vida que segue. Vamos tentar lidar, orientando as clientes a estacionarem em outro lugar, porque aqui não tem como", acrescentou.
Há 15 anos trabalhando na mesma quadra da Asa Norte, Gleize Poliane, 42, disse que a situação piorou com o início da obra, que deixou o local tomado por lama. "Desde que começaram essa obra, virou uma tempestade aqui na quadra", relatou. A vendedora de uma loja de móveis explicou que, com a chuva de ontem, a entrada do estacionamento ficou bloqueada por carros atolados. "A lama desceu, os carros tentaram passar, e dois logo de manhã ficaram presos. As pessoas não querem nem entrar por causa da lama", reclamou.
O problema não se limita à área externa. De acordo com Gleize, as enxurradas passaram a atingir o subsolo dos prédios, usado como depósito pelos comerciantes. "Perdi muitos colchões. Agora, com essa lama descendo, está ainda pior. A água entra todinha. Ainda não conseguimos ir lá embaixo, mas tenho certeza de que teremos problemas. Toda vez é esse pesadelo", lamenta.
Colaborou Luiz Fellipe Alves
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