A Umbanda retrata a alma brasileira. Nascida do encontro entre tradições africanas, indígenas, católicas e kardecistas, a religião carrega o significado da diversidade que forma o país. Nos terreiros, fé e caridade caminham juntas, com espaços onde o acolhimento, o auxílio espiritual e o trabalho social se transformam em atos de solidariedade.
Celebrado neste sábado (15/11), o Dia Nacional da Umbanda remonta a 1908, quando, em 15 de novembro, o médium Zélio Fernandino de Moraes incorporou o Caboclo das Sete Encruzilhadas. Para muitos, trata-se do marco inicial da religião. A data é mais do que uma comemoração, é um símbolo de resistência, reafirmando o direito de existir e professar a fé em um Brasil que, em sua pluralidade, também é sagrado.
O Centro Espírita Assistencial Nossa Senhora da Glória (Ceansg), na Asa Norte, que completou 60 anos em 15 de agosto, comemora a data há mais de uma década. "Nós celebramos há 12 anos, ano seguinte à sanção da lei. O terreiro fará uma homenagem a todos os orixás e guias da casa, com pontos cantados para cada um deles (neste sábado, às 20h). Em determinado momento, a assistência é convidada a tomar um passe numa corrente magnética formada por médiuns incorporados por alguma das linhas homenageadas. Ao final, todos recebem as frutas consagradas", conta Gilberto Marcos, adjuntó da casa.
Para ele, a religião é guiada por valores universais: "Umbanda é amor, paz, caridade e humildade. Todos deveriam doar um pouco de si, deixando de lado o preconceito e a vaidade, entendendo que todos nós somos irmãos perante a Deus".
A religião da Umbanda tem como objetivo também a caridade e as ações sociais. "Ajudamos em torno de 600 famílias com cestas básicas ao longo do ano. Já no atendimento espiritual, atendemos entre 200 e 400 pessoas por dia de trabalho", completa.
Ele explica as diferenças entre as religiões afro-brasileiras. Segundo Gilberto, o Candomblé é mais antigo e com rituais conservadores, focado no culto direto aos orixás. A Umbanda é mais recente, surgida no Brasil, e sincretiza elementos de várias culturas, com incorporação de caboclos e pretos-velhos.
Na estrutura do Ceansg, há a Sociedade Assistencial Recanto da Mãe Jurema (Sarema), que promove ações sociais, como distribuição de cestas básicas, almoços e doação de roupas, entre outros, para pessoas em situação de vulnerabilidade. O centro trabalha, ainda, para montar uma creche.
Sincretismo
O presidente da Federação de Umbanda e Candomblé de Brasília, Rafael Moreira, afirma que o DF tem mais de 700 terreiros. "Hoje, podemos andar com nossas guias e roupas de proteção nas ruas. É um trabalho longo que os mais velhos começaram e que continua para combater a intolerância. Ainda somos perseguidos, mas queremos garantir que as futuras gerações possam escolher a nossa religião sem preconceito", destaca.
Cada terreiro tem suas singularidades. Alguns, por exemplo, adotam atabaques e imagens de orixás africanos. Outros não fazem uso do instrumento, e as imagens de santos católicos representam os orixás, devido ao sincretismo religioso.
Em Samambaia, o Centro Espírita Caboclo Aymoré e Pai Manuel de Angola (Ceama) também celebra a data. O babalorixá Milton ti Òiyà, 58 anos, ministro religioso desde 1996, ressalta que a Umbanda é essencialmente latino-ameríndia, com referências africanas. "Na África, Umbanda não existe. Nossa missão é fazer trabalhos filantrópicos, como entrega de cestas, sopas, agasalhos e cobertores. A caridade é um foco de grandeza e crescimento espiritual". O espaço vai comemorar a ocasião com um encontro religioso, homenageando as entidades mestres do templo.
A estudante Anna Gomes, 21 anos, de Ceilândia, frequenta a religião há cinco anos. "Eu sempre tive muita fé em Deus, mas comecei a estudar a história do Brasil e percebi que precisava conhecer mais sobre as religiões de matriz africana. Desde então, nunca parei de frequentar. Na Umbanda, eu vejo caridade, doação e ausência de julgamentos. Você pode ser quem você é, sem fazer mal a ninguém. Eu tenho me encontrado como pessoa", diz.
Solidariedade
Em Ceilândia, o Centro Espírita Caminheiros de Santo Antônio de Pádua (CECSAP) mantém um projeto social voltado a mulheres em vulnerabilidade. A coordenadora e médium da casa de Umbanda, Suzete Cunha, conta quem entre 2021 e 2022, 113 mulheres foram ajudadas só no curso de costura. Em 2024, foram 139. O foco é sustentável, criando bolsas com retalhos.
“Nossa casa é laica, para que todos possam participar. Aqui dentro a gente não fala sobre a nossa fé. Nosso público conta com muitas mulheres que chegam desempregadas ou passando por dificuldades. Eu me sinto muito grata por estar aqui e por ser umbandista. Sei que estamos cumprindo a nossa missão não apenas no lado espiritual, mas também no acolhimento material e profissional”, observa.
A ação social não se expande porque depende da legalização da ocupação da área onde está há 31 anos.
Para ela, o contato direto com o terreiro tem transformado a percepção das pessoas sobre o que acontece nesses espaços. “É muito gratificante perceber que a comunidade está se aproximando da Umbanda e enxergando a religião de uma forma diferente. Elas chegam aqui e veem algo que não passava no imaginário da maioria, que achavam que seria misterioso. Mas, quando conhecem, percebem que é um lugar de fé, acolhimento e muito trabalho voltado ao bem”, avalia.
A dirigente destaca o papel do terreiro na superação de preconceitos históricos. “Vamos quebrando barreiras de preconceito. É uma entidade de portas abertas para quem quiser ser voluntário”, disse. “Tem muita gente que não é da Umbanda, mas que contribui imensamente com o trabalho. E isso mostra que o respeito e a solidariedade estão acima de qualquer crença.”
