Artes cênicas

DF exporta arte: companhias teatrais conquistam palcos no Ano Cultural Brasil-França

Ligiana Costa, a Cia. Lumiato, o Coletivo Instrumento do Ver e a companhia Nós do Bambu ocupam lugar de destaque na programação do Ano Cultural Brasil-França

 O Vazio É Cheio de Coisa  Cia. Nós do Bambu Poema  Mühlenberg -  (crédito: Diego Bresani)
O Vazio É Cheio de Coisa Cia. Nós do Bambu Poema Mühlenberg - (crédito: Diego Bresani)

O teatro brasiliense ganhou um lugar de destaque na programação do Ano Cultural Brasil-França, que fez de 2025 um ano de trocas entre os dois países com uma agenda de apresentações dos dois lados do Atlântico. Outubro e setembro serão meses agitados para as companhias brasilienses. A Cia. Lumiato, a Instrumento do Ver e a Nós do Bambu têm encontro marcado com o público francês em uma série de apresentações em Paris e Toulouse. E no início do mês, a cantora e diretora Ligiana Costa encantou o Théâtre du Châtelet, um dos palcos mais tradicionais da cena parisiense, com um espetáculo  sobre duas brasileiras geniais que acabaram apagadas na história da música brasileira. 

Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular 

A apresentação em outubro será a segunda da Cia. Lumiato  em Paris. Em junho, a companhia especializada em teatro de sombras levou Iara ao Festival do Imaginário. Agora, será a vez de apresentar a peça no Musée du Quai Branly, que guarda um acervo de 300 mil obras e é considerado o mais importante museu etnográfico da França. “Essa apresentação vai ser num espaço alternativo dentro do museu”, explica Thiago Bresani, que fundou a companhia em 2008, junto com a argentina Soledad Garcia. “Iara se adapta bastante porque tem uma questão técnica mais fácil, a gente usa nossos projetores. A recepção do espetáculo na França foi muito interessante, muito aberta porque eles estão muito interessados na temática da Amazônia e na linguagem. É uma forma diferente de trabalhar o teatro de sombras contemporâneo.”

Iara tem uma trajetória de 10 anos. Estreou em 2014 e é inspirado no mito amazônico da mulher sedutora que é metade peixe e metade gente. “E a gente adapta para essa linguagem mais teatral, do teatro de sombras, mais simbólica, quase sem palavras, universal. A gente não trabalha especificamente o mito de um povo ou etnia específica, buscamos várias referências e colocamos no espetáculo”, avisa Bresani. A particularidade da Lumiato está em fazer uso com uma linguagem mais cinematográfica em um teatro de silhuetas e imagens que se aproxima do audiovisual. “Na França e na Espanha, eles trabalham um teatro de sombras mais tradicional, aquela forma chinesa de uma tela com silhuetas e luz fixa. Nós fazemos mais construção de imagens, edição de luz, com luzes móveis. É mais contemporâneo”, garante o artista. 

O Coletivo Instrumento do Ver e a Nós do Bambu vão participar de um mesmo festival em setembro, um evento organizado por La Grainerie, fábrica de circo sediada em Toulouse e conhecida pela experimentação circense e por produções que viajam o mundo. Como parte do Cirque de nous, projeto franco-brasileiro que tem parceria com o Festival de Circo do Brasil, as companhias brasilienses têm uma agenda que vai além dos espetáculos. 

O Coletivo Instrumento de Ver desembarca em Toulouse com o espetáculo Assum preto, um show, uma mostra de curtas e uma exposição. “É um combo”, brinca Maíra Moraes, integrante do coletivo. “Vai ser um evento bem característico do coletivo, com a multilinguagem e intersecção das linguagens artísticas.” Inspirado na canção de mesmo nome assinada por Luiz Gonzaga e em Blackbird, de Nina Simone, Assum preto trata de questões afro-brasileiras e é baseado na trajetória de Marco Mota, integrante do coletivo que assina a pesquisa corporal da performance. “A gente achou que era uma boa representação, um bom lugar para falar de brasilidades. O espetáculo traz uma referência  central no conceito de banzo que, na língua kikongo, significa pensamento ou memória, que é esse sentimento de nostalgia que tocou os negros escravizados que vieram para o Brasil ou nasceram aqui. É sobre essa memória apagada”, explica Maíra. 

A Nós do Bambu também vai além das artes do palco durante a estadia francesa na La Grainerie. Poema  Mühlenberg vai fazer uma residência artística de duas semanas durante as quais vai aprimorar o espetáculo Sarayvara. A cada etapa do processo, ela fará apresentações pontuais do espetáculo, um solo de 2024 no qual a artista explora ao máximo a ideia minimalista de reduzir a cenografia a objetos que coubessem em uma mala. O bambu é a base de trabalho da companhia e em Sarayvara, o mais longo tem apenas 50cm de comprimento. “E a gente explora a dança contemporânea, acrobática, manipulação de objetos, equilíbrio de e sobre objetos e manipulação de formas animadas. Além do manto feito com mais ou menos 3 mil escamas de bambu, que é uma obra em si”, conta Poema, que também vai dar aulas para alunos de uma escola de circo e apresenta O vazio é cheio de coisa na cidade de Saint-Céré.

Divas brasileiras

Ligiana Costa mergulhou na vida de duas cantoras líricas brasileiras, negras, cujo apagamento acabou por se sobrepor ao sucesso. Joaquina Maria Lapinha viveu no século 18 e Maria da Aparecida morreu em 2017, depois de décadas como cantora de ópera em Paris. Espetáculo que mistura ópera e audiovisual, Marias do Brasil: as vozes de Lapinha e Aparecida estreou no Théâtre du Châtelet no início do mês e foi contemplado com crítica positiva no site da revista Forum Opéra. A apresentação fez parte de um convite de Ricardo Bernardes, fundador do Americantiga Ensemble e criador do programa Ancien Brésil Brésil Nouveau, que faz parte do Ano Cultural Brasil-França.

Depois de fazer O Guarani com Ailton Krenak e de uma temporada na escola Julliard, em Nova York, Ligiana decidiu se dedicar mais  ao trabalho de direção cênica e de musicologia, área na qual tem formação acadêmica. Quando descobriu as duas Marias, enxergou ali o potencial para um grande espetáculo. Maria da Aparecida cantou clássicos como Carmen, de Georges Bizet, mas também gravou com Baden Powel. Morreu em Paris praticamente anônima. “Ela nunca se naturalizou francesa e o corpo ficou dois meses esperando enterro, porque não tinha parentes. Isso fez com que muita gente que não a conhecia viesse a conhecê-la. E houve um movimento profundo de tentativa de resgate dela. A memória dela tem vindo à tona e é chocante pensar que essa mulher, com uma carreira tão invejável, não tenha sido lembrada e festejada no Brasil, porque poucas cantoras brasileiras negras fizeram a carreira que ela fez na Europa”, explica Ligiana.

Nascida em Minas Gerais, Joaquina Maria Lapinha foi uma das primeiras cantoras líricas brasileiras de projeção internacional. Fez sucesso em Lisboa e no Rio de Janeiro mas, segundo alguns registros, precisava disfarçar a cor da pele para ser bem recebida. “Ela 

era a cantora de ópera mais importante do Brasil, aclamadíssima como cantora e atriz também. E é muito interessante essa correspondência entre a vida das duas. Esse trabalho se baseia no repertório das duas”, conta a diretora.

Cantora e compositora, Ligiana encara Marias do Brasil como uma ponte entre o mundo da música e do teatro. “Tenho me interessado muito por linguagens híbridas entre ópera e teatro. São espetáculos de colagem entre repertórios distintos”, diz. “E esse é um espetáculo lírico que ouso nomear de poético-documental, porque a temática é a vida e o repertório de duas cantoras líricas negras que existiram no Brasil.”

 

  • Ligiana Costa no palco do Thèâtre du Châtelet
    Ligiana Costa no palco do Thèâtre du Châtelet Foto: Divulgação
  • Cia. Lumiato apresentou Iara na França, como parte da programação do Ano Cultural Brasil-França
    Cia. Lumiato apresentou Iara na França, como parte da programação do Ano Cultural Brasil-França Foto: Cia. Lumiato
  • Cia. Lumiato apresentou Iara na França, como parte da programação do Ano Cultural Brasil-França
    Cia. Lumiato apresentou Iara na França, como parte da programação do Ano Cultural Brasil-França Foto: Cia. Lumiato
  • Cia. Lumiato apresentou Iara na França, como parte da programação do Ano Cultural Brasil-França
    Cia. Lumiato apresentou Iara na França, como parte da programação do Ano Cultural Brasil-França Foto: Cia. Lumiato
  • Sarayvara Cia. Nós do Bambu Poema  Mühlenberg
    Sarayvara Cia. Nós do Bambu Poema Mühlenberg Foto: Nathan Nascimento
  • Sarayvara  Cia. Nós do Bambu  Poema  Mühlenberg
    Sarayvara Cia. Nós do Bambu Poema Mühlenberg Foto: Nathan Nascimento
  • Assum preto, Coletivo Instrumento de Ver
    Assum preto, Coletivo Instrumento de Ver Foto: João Saenger
  • Assum preto, Coletivo Instrumento de Ver
    Assum preto, Coletivo Instrumento de Ver Foto: João Saenger
  • Cia. Lumiato apresentou Iara na França, como parte da programação do Ano Cultural Brasil-França
    Cia. Lumiato apresentou Iara na França, como parte da programação do Ano Cultural Brasil-França Foto: Fotos: João Saenger; Nathan Nascimento e Cia. Lumiato e Divulgação
  • Google Discover Icon
postado em 19/07/2025 06:01
x