LITERATURA

Os caminhos e obstáculos da literatura brasileira contemporânea

No Dia do Escritor, Aline Bei — autora de "O Peso do Pássaro Morto" e "Pequena Coreografia do Adeus" — fala sobre acesso à leitura e valorização do autor nacional

"Muitos não se sentem aptos à leitura, nunca tiveram o hábito, e sentem medo de começar", diz Aline Bei - (crédito: Isadora Arruda)

Neste Dia do Escritor (25/7), vale lembrar que o Brasil é berço de grandes nomes da literatura, como Machado de Assis, Clarice Lispector, Jorge Amado e Carolina Maria de Jesus. Hoje, autores contemporâneos como Itamar Vieira Junior, Aline Bei e Socorro Acioli mantêm viva a produção literária nacional, conquistando leitores e prêmios. Ainda assim, o consumo de livros brasileiros enfrenta barreiras, como a falta de incentivo à leitura, o alto custo dos livros e a valorização de obras estrangeiras no mercado editorial.

De acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, divulgada pelo Instituto Pró-Livro, 53% dos brasileiros afirmam não ter lido nenhum livro nos últimos três meses. Pela primeira vez, o número de não leitores no Brasil superou o de leitores. Em contrapartida, a Bienal do Livro Rio deste ano recebeu 740 mil visitantes e registrou volume de vendas de 6,8 milhões de exemplares — um aumento de 23% em relação a 2023. 

Autora de O Peso do Pássaro Morto e Pequena Coreografia do Adeus, Aline Bei avalia a valorização do mercado editorial como progressivamente crescente. Quando começou a publicar, em 2017, Aline sentiu um acolhimento de clubes de leitura, especialmente o Leia Mulheres, que evidencia o trabalho de escritoras jovens e contemporâneas. 

Desde o início da carreira, como escritora independente, Aline buscava se conectar com os leitores. "Eu comprava meus livros e eu mesma vendia pelas redes sociais, o que me aproximou deles. Fiz eventos e dei oficinas às minhas leitoras, que também já publicaram seus primeiros, segundos e terceiros livros. Sinto que é uma caminhada juntas", celebra. 

A figura do escritor contemporâneo é descrita por Aline como algo à margem da cultura, como profissionais nichados. “Quanto mais o autor contemporâneo estiver inserido cultura de uma maneira bastante fluida, mais as pessoas vão descobrir que há gente fazendo livros”, opina. Mesmo que a leitura comece por um livro estrangeiro, Aline incentiva a prática e a divulgação de conteúdos nacionais atuais. 

Embora as obras clássicas cheguem aos jovens por meio da educação, Aline propõe que a obrigação dessas leituras podem afastá-los dos livros. “Eu frequentava a biblioteca da escola, mas os que eram uma obrigação eu tinha menos prazer. Tinha prazo e uma prova — e a leitura atinge outros níveis de consciência que não são tão fáceis de serem absorvidos só numa dinâmica de prova”, disserta. 

Com o trabalho de influenciadores literários nas redes sociais, a internet pode ser uma aliada da leitura. Para Aline, isso possibilita uma horizontalidade cultural, na qual o livro é desmistificado. “Muitos não se sentem aptos à leitura, nunca tiveram o hábito, e sentem medo de começar. Ver jovens nas redes falando sobre livros pode despertar o interesse”, afirma. No entanto, ela alerta que as redes devem ser consumidas com equilíbrio. 

Defensora de bibliotecas e centros comunitários, Aline lamenta que o acesso aos livros físicos seja um entrave no Brasil. “Acaba sendo caro, distante e utópico para muitas pessoas”, explica. Os livros virtuais surgem como uma alternativa acessível neste contexto. 

Mesmo com contradições, Aline enxerga esperança em uma nova geração de escritores e leitores que lutam por um espaço. “A língua portuguesa, com sua sonoridade, vácuos e musicalidade maravilhosa, tem o poder de contemplação de universos”, emociona-se. 

Nesta data, a trajetória de profissionais como Aline Bei evidencia que, apesar dos desafios, a literatura brasileira pulsa em múltiplas direções — dos clubes de leitura às redes sociais, das escolas às bibliotecas comunitárias. Entre obstáculos estruturais e conquistas simbólicas, quem escreve e quem lê segue reinventando modos de existir no mundo por meio das palavras. Afinal, como mostra Aline, escrever e ler no Brasil ainda é, acima de tudo, um gesto de encontro.

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postado em 25/07/2025 05:30
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