
O ator Rodrigo Lelis vive um momento de ebulição artística. Entre as luzes da televisão, a magia do cinema e a crueza dos palcos, ele transita com a fluidez de quem entende que a arte não cabe em uma só forma. Na novela Guerreiros do Sol (Globoplay), o baiano de 31 anos encarna o padre Bida, um jovem religioso cuja fé é abalada pelo amor — um conflito que, nas mãos do ator, ganha nuances delicadas e humanas.
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"O meu maior desafio foi entender a fé de Padre Bida, de onde vem essa fé", confessa Lelis, em entrevista. O personagem, filho caçula da família Alencar — irmão de Josué (Thomás Aquino), Milagre (Ítalo Martins), Sabiá (Vitor Sampaio) e Arduíno (Irandhir Santos) — vê sua devoção posta à prova quando se apaixona por Valiana (Nathalia Dill). "Ele vai para o seminário muito jovem, e a fé também está ligada a uma ascensão social. Mas há uma ingenuidade nele, uma pureza. Valiana chega abalando todas as estruturas."
O público, segundo ele, tem se comovido com a relação dos dois. "Existe uma delicadeza no casal. Ele nunca teve acesso a esse tipo de sentimento, e ela vem de experiências amorosas ruins. Eles se encontram de um jeito bonito, quase fofo."
Bênção de Caetano
No cinema, Lelis estreou interpretando ninguém menos que Caetano Veloso em Meu nome é Gal (2023). "Não consigo imaginar que ator não gostaria de interpretar Caetano no cinema. É uma oportunidade única, afinal, ele é uma figura extremamente conhecida e presente no imaginário coletivo, e isso também foi o maior desafio da experiência", reconhece o ator. "Em nenhum momento quis imitá-lo. Quis trazê-lo para perto de mim, e ele foi chegando de uma forma muito inesperada."
Curiosamente, só conheceu o ícone da MPB depois das filmagens. "O Caetano que interpretei estava muito presente em vídeos e escritos, e isso já era suficiente para a construção do personagem. Conhecê-lo depois foi ótimo, porque pude levar a ele todo o material e a bagagem que havia reunido, o que fez com que nossa conversa se tornasse ainda mais rica. Conversamos por horas", relata o filho ilustre de Brumado (BA).
Formado pela Universidade LIVRE do Teatro Vila Velha — espaço que Gilberto Gil chamou de "pia batismal dos artistas baianos" —, Lelis carrega no sangue a herança de um palco que formou nomes como o próprio Caetano, além de Lázaro Ramos e Wagner Moura. "Foi o que me deu régua e compasso, toda a estrutura necessária para compreender o que é a vivência dentro da arte cênica. Lá, eu tive acesso a experiências que acredito não teria em nenhum outro lugar. É um espaço pulsante, mágico."
Essa raiz teatral se reflete em sua carreira plural. Indicado ao Prêmio Braskem de Teatro em 2019, ele agora estreia seu primeiro monólogo, Sr. Oculto, adaptação de O médico e o monstro. "Foi um ano de preparação intensa. É um projeto que me gerou muitas alegrias e sei que ainda vai gerar mais", aposta Rodrigo.
"Teatro é vida"
Para Lelis, teatro, cinema e televisão são linguagens complementares. "Foi o teatro que me trouxe a primeira relação com essa arte tão múltipla e importante. Por isso, tenho tanto apego a ele. Quero fazer de tudo na vida: tenho muita vontade de fazer televisão, quero fazer muito cinema, adoro cinema, mas o teatro foi meu primeiro contato, e a ele devo muito. Na verdade, acho que devo tudo. Levo muito do teatro para as outras possibilidades dentro da arte cênica, seja no cinema ou na televisão. O teatro está presente em tudo. O teatro é a vida", defende.
Sobre escolher projetos, Rodrigo é pragmático: "Nem sempre podemos escolher. Mas, se pudesse, buscaria histórias que questionassem quem estivesse assistindo, que provocassem, que movimentassem, que tocassem o outro".
Questionado sobre a representatividade nordestina na cultura, Lelis é enfático: "Isso não é vitória, é o básico. O Nordeste é uma força imensa. Ou o país entende isso, ou fica para trás." E arremata, com convicção: "Talvez sejamos o futuro. Não, talvez não: nós somos o futuro."
Entrevista | Rodrigo Lelis
Qual foi o maior desafio que você enfrentou ao dar vida ao Padre Bida em Guerreiros do Sol?
O meu maior desafio foi entender a fé de Padre Bida, de onde vem essa fé. Acabei traçando uma estrutura narrativa em que ele, muito jovem, vai para o seminário, e a fé também está muito associada a uma ascensão social. Mas ele sempre foi crente, porque a nossa mãe era muito fiel às ideias da Igreja, e ele acabou tendo a oportunidade de ir para o seminário. Essa narrativa me ajudou muito no processo de compreender a fé dele. Ele também acaba se apaixonando, pois, na missão de Padre Enoque, não teve a oportunidade de conhecer pessoas. É muito trabalho, e Valiana chega abalando todas as estruturas.
Como o relacionamento entre Padre Bida e Valiana (Nathalia Dill) tem sido recebido pelo público?
Tenho percebido que as pessoas estão muito comovidas com a história dos dois. Acho que a própria trama de um padre e uma moça desperta interesse, pela ideia do proibido. Mas existe também uma delicadeza no casal, algo que eu quis transmitir: a figura de um padre que nunca tinha tido acesso a esse tipo de relação e, ao mesmo tempo, uma mulher que vinha de duas experiências amorosas muito ruins. Eles acabam se unindo de uma forma muito bonita. É fofo, e eu quis trazer justamente esse lado mais terno. Fico feliz que o público tenha recebido dessa maneira.
Sua escola é a Universidade LIVRE do Teatro Vila Velha, um espaço que revelou muitos artistas importantes da cena brasileira. Como foi sua experiência lá e como isso influenciou sua carreira?
A Universidade Livre do Teatro Vila Velha foi o que me deu régua e compasso, toda a estrutura necessária para compreender o que é a vivência dentro da arte cênica. Lá, eu tive acesso a experiências que acredito não teria em nenhum outro lugar. Participamos de oficinas de dança com artistas do mundo inteiro e de oficinas de teatro com profissionais de várias partes do Brasil. O próprio Teatro Vila Velha é um espaço extremamente pulsante, que considero um dos lugares mais importantes do país, artisticamente falando. Foi uma experiência mágica, intensa e única.
Você estreou no cinema em 2023 interpretando Caetano Veloso em Meu nome é Gal. Como foi essa escolha e essa experiência?
Acho que, na verdade, nem tive escolha. Quem seria o ator que não gostaria de interpretar Caetano no cinema? Não consigo imaginar. É uma oportunidade única, afinal, ele é uma figura extremamente conhecida e presente no imaginário coletivo, e isso também foi o maior desafio da experiência. Ao mesmo tempo, procurei conduzir todo o processo com muita leveza, porque em nenhum momento quis imitá-lo. Quis trazê-lo para perto de mim, e ele foi chegando de uma forma muito inesperada. Permiti-me abrir esse espaço, e acabei ficando muito parecido com ele. Também senti um pouco do que é mexer com esse imaginário coletivo, algo incrível e, ao mesmo tempo, perigoso.
Houve alguma troca com Caetano Veloso para a composição desse personagem?
Eu e Caetano não tivemos a oportunidade de conversar antes, e acredito que isso aconteceu como tinha que acontecer. Tive a chance de conhecê-lo depois, o que acabou sendo ainda mais interessante para o meu trabalho. O Caetano que interpretei estava muito presente em vídeos e escritos, e isso já era suficiente para a construção do personagem. Conhecê-lo depois foi ótimo, porque pude levar a ele todo o material e a bagagem que havia reunido, o que fez com que nossa conversa se tornasse ainda mais rica. Conversamos por horas.
Você tem uma sólida trajetória nos palcos, com mais de 20 espetáculos no currículo e indicado ao Prêmio Braskem de Teatro. Qual é a importância do teatro para você?
Foi o teatro que me trouxe a primeira relação com essa arte tão múltipla e importante. Por isso tenho tanto apego a ele. Quero fazer de tudo na vida: tenho muita vontade de fazer televisão, quero fazer muito cinema, adoro cinema, mas o teatro foi meu primeiro contato, e a ele devo muito. Na verdade, acho que devo tudo. Levo muito do teatro para as outras possibilidades dentro da arte cênica, seja no cinema ou na televisão. O teatro está presente em tudo. O teatro é a vida.
Você estreou um monólogo numa releitura de O médico e o monstro. Como foi essa preparação?
Ah, foi uma preparação muito intensa, que durou basicamente um ano. Não um ano de ensaios, mas um ano de entendimento sobre como seria feito, de produção e de alinhamento com Mônica, a dramaturga, que trouxe um texto único para o trabalho. Dediquei um ano inteiro da minha vida a isso, e que bom que dediquei, porque é um projeto que tem me gerado muitas alegrias e sei que ainda vai me gerar mais. O espetáculo Senhor Oculto é o resultado de um trabalho de 10 anos, e tenho muito orgulho dele.
Como você equilibra seu trabalho em televisão, cinema e teatro?
Eu, particularmente, penso que esse equilíbrio é muito importante para nós, atores. É essencial ter versatilidade ao longo da carreira. Se você se considera um ator de teatro, televisão e cinema, e há muitos que não transitam por todas essas áreas, é valioso buscar essa experiência múltipla. Eu quero atuar nas três, e acredito que o equilíbrio é fundamental: fazer teatro, depois cinema, depois televisão. Cada uma dessas linguagens tem características muito específicas e oferece uma bagagem própria para a trajetória do artista. Há coisas que só o teatro proporciona, outras que só o cinema oferece, e outras que só a televisão traz. Estar presente em cada uma delas lhe dá um aparato muito interessante. Para mim, essa é a trajetória ideal, pelo menos como eu penso minha carreira.
Qual é o seu processo de escolha de projetos?
Normalmente, têm chegado até mim projetos dos quais tenho muito orgulho de fazer parte e pelos quais sou muito grato. Nesta profissão, nem sempre temos tantas oportunidades e, muitas vezes, não podemos escolher. Estar trabalhando já é um privilégio, estar trabalhando em produções tão bonitas quanto Guerreiros do Sol é um privilégio ainda maior, motivo apenas de agradecimento. Mas, se um dia eu tiver a oportunidade de escolher meus trabalhos, como poucos artistas no Brasil hoje conseguem, optaria por projetos que de alguma forma questionassem quem estivesse assistindo, que provocassem, que movimentassem, que tocassem o outro. Acho que é esse tipo de obra que também me movimenta.
Qual é a sua visão sobre o estado atual da arte e do entretenimento no Brasil?
O Brasil tem um potencial enorme para se tornar uma potência cultural autossustentável, assim como a Coreia do Sul entendeu isso. É fundamental valorizar o cinema nacional, pois ele prova a cada ano sua capacidade de estar entre as maiores indústrias cinematográficas do mundo. Mas não se trata apenas da indústria do cinema, é importante que entendamos a necessidade de frequentar teatros, museus, e que isso também seja assimilado pela população. O povo brasileiro precisa acreditar, aceitar e impulsionar a própria arte, pois temos total capacidade para isso. Vejo um futuro minimamente esperançoso, e que assim seja. Que o Brasil compreenda o quanto é uma potência em todos os aspectos, inclusive cultural.
?Como você enxerga o movimento atual de maior representatividade aos artistas nordestinos nas novelas?
Acho que isso, na verdade, não deveria ser visto como uma vitória, mas como algo essencial. O Brasil é um país enorme, e as narrativas precisam ser contadas por todos nós. Não se trata de capacidade, mas de oportunidade: termos a chance de criar e contar nossas histórias e de participar de narrativas que nos representem. Isso é o básico, é o que tem que ser. Já está mais que provado o quanto o Brasil é uma potência cultural, e o Nordeste e o Norte, em especial, são forças imensas dentro dessa potência. Se o país não entender isso, vai perder muito. Somos referência em todas as formas e linguagens artísticas. Ou entendem, ou ficam para trás. Talvez sejamos o futuro. Não, talvez não: nós somos o futuro.
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