Extremismo

PCDF desvenda planos para supostos ataques a escolas públicas

Dois menores, suspeitos de planejar ataques a duas escolas públicas do Recanto das Emas, foram indentificados por meio de postagens em redes sociais. Um deles está em tratamento psiquiátrico e o outro foi encaminhado à Delegacia da Criança e do Adolescente II

Darcianne Diogo
Ana Carolina Alves
Mila Ferreira
postado em 27/08/2025 04:00
A Divisão de Prevenção e Combate ao Extremismo Violento da Polícia Civil (DPCEV) impediu a ação e cumpriu ordens judiciais contra os suspeitos -  (crédito: Caio Gomez)
A Divisão de Prevenção e Combate ao Extremismo Violento da Polícia Civil (DPCEV) impediu a ação e cumpriu ordens judiciais contra os suspeitos - (crédito: Caio Gomez)

O caso de dois adolescentes suspeitos de planejar um ataque a duas escolas públicas do Recanto das Emas reforça uma ferramenta essencial de prevenção à violência escolar, mas que, na prática, segue falha: o monitoramento de redes sociais por parte dos responsáveis. Vídeos, fotos e mensagens com apologia à violência eram compartilhados sem discrição pelos menores em grupos virtuais, até serem interceptados pela Polícia Civil.

<p><strong><a href="https://whatsapp.com/channel/0029VaB1U9a002T64ex1Sy2w">Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais not&iacute;cias do dia no seu celular</a></strong></p>

A Divisão de Prevenção e Combate ao Extremismo Violento da Polícia Civil (DPCEV) impediu a ação e cumpriu ordens judiciais contra os suspeitos. O fato chamou a atenção das autoridades da capital.  "A investigação da Polícia Civil foi muito importante para evitar uma tragédia", disse o governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), durante a entrega da escritura pública de Concessão de Direito Real de Uso (CDRU-S) ao Sindicato dos Policiais Federais (Sindipol/DF). 

A operação que frustrou o plano dos jovens começou na quinta-feira passada, e teve o desfecho na segunda-feira. Após receber alertas, os policiais monitoraram as redes sociais e descartaram, inicialmente, algum risco iminente, uma vez que a mãe de um dos adolescentes descobriu o plano e repreendeu o filho. Uma fonte ligada à investigação contou ao Correio que a dupla estava "em processo de radicalização para atos extremistas em ambiente escolar" e que se baseavam em crimes semelhantes ocorridos no país.

Os documentos analisados pela polícia no decorrer das investigações formam um compilado alarmante. Os jovens trocavam conversas nas quais afirmavam que "iriam entrar para a história". Nas redes sociais, usavam nomes em referência a atiradores responsáveis por um massacre nos Estados Unidos.

Ataques

Os adolescentes planejavam atacar a escola em meados de setembro. Segundo a fonte policial, as ameaças feitas, tanto em vídeo quanto por meio de mensagens, eram uma forma de espalhar "pânico". Numa filmagem, um deles diz ao outro que a data inicial não seria possível, pois alguns itens não estavam prontos. Um dos menores sugere: "Eu estava pensando em outra data. Que tal no seu aniversário? Até lá, vai estar tudo pronto. O presente vai ser atirar, matar gente". O outro reage: "Vou virar maior de idade, aí já posso ir preso". "Já pode ir para o inferno", acrescenta o outro. Em seguida, um deles afirma que planejava comprar uma arma de fogo ilegalmente.

A polícia identificou um site mantido pelos jovens, contendo discursos de ódio contra mulheres, negros e pessoas LGBTQIAPN , além de fazer apologia ao nazismo. Para ampliar o alcance, utilizavam o TikTok, onde algumas contas foram derrubadas pela plataforma, devido ao conteúdo extremista.

No material apreendido, havia transmissões, vídeos e mensagens em fóruns digitais com ameaças e símbolos nazistas. Em um áudio enviado via WhatsApp, um deles afirma: "Se eu pudesse, faria uma espécie de nazismo no Brasil".

Em outro áudio, o menor cita símbolos nazistas na roupa que usa e enumera outros, detalhando o significado deles. Em um dos vídeos, a dupla aparece em uma praça, onde reproduz um símbolo empregado no contexto da Alemanha pós-nazista, por neonazistas. Além disso, os menores reproduziam falas racistas. 

Em outras mensagens interceptadas pelos investigadores, um deles dispara. "Cala a boca, filho da p… traveco de merda. Vai virar homem de verdade pra tu querer falar de nós, vai chupar um canavial [...], seu viadinho. Aqui é Brasil, seu argentino de merda. Se eu te ver na rua, eu te espanco todo e piso no seu crânio com meu coturno e cuspo no seu crânio, seu traveco de merda." Os dois também gravaram um vídeo no qual queimam uma bandeira símbolo da comunidade LGBTQIAPN.

Investigações

As ordens judiciais foram cumpridas na segunda-feira, em endereços ligados aos adolescentes. Foram apreendidos materiais relacionados ao extremismo violento, como apologia ao nazismo, racismo, planos de ataque às escolas, celulares, computadores e outros itens. Segundo a polícia, um dos suspeitos está em tratamento psiquiátrico. O outro foi encaminhado à Delegacia da Criança e do Adolescente II (DCA II).

Especialista em crimes cibernéticos, Rodrigo Fragola destaca que o uso de redes sociais por grupos extremistas ou indivíduos que planejam atos violentos é uma realidade. "Principalmente, na divulgação e captação de pessoas que se alinham à 'causa'. Desse modo, ao monitorar as redes sociais, as autoridades podem identificar comportamentos suspeitos, ameaças e planos de ataque, antes que eles sejam executados. Isso possibilita que a polícia atue de forma proativa, ao invés de reagente, evitando que tragédias aconteçam", afirma.

Fragola alerta que muitos desses planejamentos são coordenados em grupos fechados ou fóruns na internet, onde os participantes compartilham ideologias, métodos e incentivos. "O monitoramento desses grupos, além de ajudar a desarticulá-los, pode identificar redes de apoio a esse tipo de ameaça. Muitos dos discursos de ódio que temos observado têm um certo padrão. Símbolos, frases, palavras específicas e métodos de atuação, o que pode indicar alguma fonte de indução ou de informação comum", detalha.

"É fundamental que as escolas e as famílias trabalhem juntas para ensinar aos jovens sobre ética e cidadania digital, o que é aceitável e o que não é no ambiente on-line. Isso inclui respeito, empatia e a compreensão de que as ações virtuais têm consequências reais", frisa. "Ensinar que existem consequências para crimes virtuais, como o cyberbullying, a difamação e a propagação de ódio, que podem gerar a privação de liberdade e o pagamento de indenizações. Ensinar a identificar golpes, a não compartilhar informações pessoais em excesso e a proteger suas contas também faz parte do aprendizado", complementa.

Medo e tensão

Ao Correio, a mãe de uma estudante contou que soube do caso na quinta-feira, quando a denúncia foi feita pela coordenação da escola à Polícia Civil. "Logo que soube, senti um desespero. No dia, minha filha não estava na escola, mas ficou com medo de voltar. Acabou vindo mais pela obrigação do que pela vontade", disse.

Outra mãe, que tem uma filha no 2º ano do ensino médio em uma das escolas envolvidas, relatou que sequer sabia que o caso envolvia a instituição em que a jovem estuda. "Desde a semana passada ela não queria vir para a escola, mas eu não entendia o motivo. Talvez essa situação explique o sentimento dela. Quando soube, veio a angústia e a sensação de impotência", afirmou.

O pai de uma aluna também contou que vive dias de apreensão. "A gente conversa muito sobre esses casos, tento mostrar para minha filha que atitudes assim são um alerta para todos nós, mas nem sempre eles escutam. Graças a Deus, descobriram antes que o pior acontecesse", relatou, aliviado, mas ainda abalado.

Em nota, a Secretaria de Educação informou que encaminhou o caso às autoridades competentes e destacou que a Diretoria de Apoio à Saúde dos Estudantes (Diase) prestará assistência aos envolvidos e às escolas afetadas. "A pasta reafirma seu compromisso com a segurança, o bem-estar e o acompanhamento integral de todos os estudantes, adotando todas as providências necessárias para o esclarecimento e resolução da situação", concluiu.

Outros casos

Em março, o ataque em uma escola pública de São Sebastião colocou em alerta as autoridades e preocupou pais e equipe pedagógica. Minutos depois de o sinal tocar para a entrada dos alunos, um adolescente de 15 anos, armado com duas facas estilo peixeira, feriu três colegas, uma monitora e um professor. Ele foi apreendido em flagrante pela Polícia Militar (PMDF). Na delegacia, confessou o crime e disse sofrer bullying há mais de um ano.

Em maio, outro episódio ocorreu no Guará 2. Um adolescente de 15 anos foi apreendido por planejar um atentado violento, que estaria sendo orquestrado há pelo menos um ano, a uma escola pública. O plano foi descoberto após funcionários da instituição encontrarem uma carta relatando a intenção de matar estudantes. Além da mensagem, havia desenhos com símbolos nazistas.

Na casa do adolescente, que morava com os pais, a polícia encontrou uma machadinha, uma faca, um simulacro de arma de fogo e cartas com símbolos presentes em outros ataques a escolas, cuja autoria foi assumida pelo menor.

Educação e prevenção contra a violência

As secretarias de Educação e de Segurança do Governo do Distrito Federal (GDF) têm focado na criação de protocolos de prevenção para evitar e lidar com casos de violência em unidades de ensino da rede pública. Ao Correio, especialistas analisaram os fatores que têm culminado em atos extremos de violência por parte de crianças e adolescentes baseados em discursos de ódio disseminados em redes sociais.

Após a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) impedir o ataque a duas escolas da rede pública, que teria sido planejado por dois adolescentes, o secretário executivo da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), Alexandre Patury, falou sobre o trabalho preventivo realizado pela pasta, em parceria com a Secretaria de Educação. Segundo ele, existe um protocolo rígido e integrado, seguido todos os dias, independentemente de alertas ou de ameaças.

"Nossa inteligência monitora diariamente as redes sociais. É imprescindível que haja uma participação social nesse trabalho também. São muitas postagens e é importante que denunciem, caso haja suspeita de algo organizado", disse Patury. 

O secretário-executivo alertou sobre a importância da atuação dos pais ao monitorar as atividades dos filhos nas redes sociais. "Precisamos falar de um novo termo, que é a claustrofobia inversa, quando, em vez de terem medo de ficar em um lugar fechado, os adolescentes têm medo de estar em público, no meio de outras pessoas", destacou.

"Dessa forma, as redes sociais passam a ser o acesso deles ao mundo. Isso os deixa vulneráveis a serem cooptados por pessoas que fazem parte de grupos extremistas, nazistas, misóginos, etc. É importante que os pais monitorem diretamente a presença dos filhos nas redes sociais e não os deixem confinados nem vulneráveis", acrescentou.

Segundo Patury, a claustrofobia inversa é um comportamento que tem afetado cada vez mais jovens no Distrito Federal, deixando a segurança pública em alerta. "A barreira que tem separado os jovens da porta da rua deve ser quebrada pelos pais. Eles precisam agir para evitar que os filhos se deixem influenciar por discursos extremistas disseminados nas redes", enfatizou.

Análise

Para o professor titular aposentado em psicologia social da Universidade de Brasília (UnB) Wanderley Codo, a adolescência é um período de formação da identidade que pode ser delicado para a saúde mental dos jovens. "Na adolescência, são comuns as crises de identidade. Eles ainda não sabem quem são, não se reconhecem como pessoas", observou. "Muitas vezes, os jovens acabam recorrendo ao nazismo e ao fascismo como instrumentos para lidar com as crises de identidade. O fascismo prega que o resto do mundo é inferior a você, inventa um passado brilhante que não existiu e para o qual devemos voltar. Isso acaba sendo um incentivo para quem está em crise de identidade", analisou. 

Segundo o especialista, os adolescentes têm adotado discursos extremistas por conta de falsas sensações de saída das crises de identidade causadas pelo nazismo e fascismo. "O fascismo trabalha com a violência para fortalecer o projeto de identidade. Ele inventa inimigos, assim como Hitler inventou os judeus. Agredir o mundo inteiro acaba se tornando uma forma de se reafirmar como pessoa", frisou Wanderley Codo.

O professor ressalta que os caminhos para a saída das crises de identidade enfrentadas pelos adolescentes são a educação e o conhecimento. "Os jovens precisam perceber que são alguém sem precisar recorrer à violência. A arte e a música são caminhos para encontrar a própria identidade. Além disso, os jovens precisam acreditar na ciência, na história e neles mesmos", concluiu. 

De acordo com o especialista em crimes cibernéticos Rodrigo Fragola, diferentes tipos de crimes têm migrado para o ambiente virtual. "Assaltos a bancos, injúria e ofensas, estelionato, fake news, chantagens e exploração sexual são alguns exemplos. As leis precisam evoluir para acompanhar a rapidez dos crimes cibernéticos. Alterações na legislação para acelerar os processos de bloqueio e identificação de crimes e seus autores são fundamentais. A legislação brasileira não é ruim, mas precisa ser adaptada à realidade das redes sociais", salientou.

"Aumentar o número de policiais especializados em crimes cibernéticos e fornecer a eles ferramentas e treinamento para investigar as plataformas on-line pode ser um caminho. A polícia deve trabalhar em parceria com as plataformas de internet para identificar e remover conteúdos ilegais e criminosos", sugeriu.

Protocolo

Na última semana, a Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEEDF) lançou um protocolo para orientar escolas sobre como agir em casos de violência. "Com o apoio de quatro subsecretarias, construímos um passo a passo para enfrentar diversas situações de violência", explicou a chefe da Assessoria Especial de Cultura de Paz da SEEDF, Ana Beatriz Goldstein. 

Uma cartilha traz orientações específicas de procedimento em casos de diferentes tipos de violência, seja entre profissionais da educação, seja entre alunos ou entre ambos. "Esse documento não é meramente um manual técnico, é um instrumento de cuidado, responsabilidade e proteção", disse Ana Beatriz.

A SEEDF está realizando o ciclo de palestras Prevenção aos Crimes Cibernéticos contra Crianças e Adolescentes, que está acontecendo entre agosto e setembro. A ideia é sensibilizar e orientar jovens, famílias e profissionais da educação sobre os perigos virtuais, com foco na educação digital e no uso consciente das redes. Além de apresentar práticas de prevenção e aspectos legais relacionados ao tema, o ciclo reforça a necessidade de engajamento coletivo para proteger os estudantes.

Palavra de especialista

Perspectivas reais de futuro

por Débora Messenberg, professora do programa de pós-graduação em Sociologia da Universidade de Brasília (UnB)

Vivemos um período de avanço de ideias de extrema direita no Brasil e no mundo. Precariedade de trabalho e crise econômica formam um terreno fértil para um discurso anti-stablishment, isto é, que se opõe ao que é dominante. Isso acaba gerando a proliferação de um discurso de ódio, que se dissemina de forma acelerada por conta das redes sociais. 

Vemos frustração e falta de perspectiva de futuro por parte dos jovens. Muitos têm o sonho de ser influenciadores, terem visibilidade por meio das redes sociais. 

As escolas precisam estimular melhor os estudantes para que o conhecimento e o estudo sejam vistos como perspectivas reais de futuro. Atualmente, as modalidades de ensino não estão adequadas às necessidades e aos interesses que têm prendido a atenção dos jovens. 

Estamos realizando uma pesquisa com alunos do primeiro ano do ensino médio de escolas públicas para fazer um diagnóstico dos desdobramentos que a desinformação tem causado e do terreno propício criado para o fortalecimento de subjetividades autoritárias. 

Nos impressionou a constatação de que há uma falta de perspectiva dos jovens, em termos de futuro. É preciso construir uma metodologia de combate à desinformação e de uso da internet para um aprendizado saudável. 

Vivemos em um planeta onde os adolescentes são bombardeados por conteúdos de consumo e idealizações. As redes sociais passam uma falsa sensação de que é fácil se tornar influenciador. Os jovens estão desestimulados a fazer qualquer esforço por meio do conhecimento, porque isso não traz ascensão meteórica, como acontece nas redes sociais.

A regulamentação das redes é um ponto fundamental nesse debate.

  • Adolescentes estariam fabricando armas caseiras
    Adolescentes estariam fabricando armas caseiras Foto: Material cedido ao Correio
  • Caderno apreendido tinha rascunho sobre como fazer arma caseira
    Caderno apreendido tinha rascunho sobre como fazer arma caseira Foto: Material cedido ao Correio
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação