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Voto e algoritmo das Redes definem escolha do eleitor

Relatório da PUC-Rio aponta que, em 74% dos estados, o desempenho digital e o número de votos na última eleição para deputado federal têm uma conexão direta. Isso dá às plataformas um novo e maior peso nas campanhas políticas

Cidadão precisa ficar atento no momento da escolha -  (crédito:  Ed Alves/CB)
Cidadão precisa ficar atento no momento da escolha - (crédito: Ed Alves/CB)

O novo campo de batalha da política brasileira tem hashtags, feed e stories. Nas eleições de 2022, o desempenho no Instagram foi capaz de antecipar o resultado das urnas com até 92,7% de precisão, segundo levantamento do Grupo de Pesquisa em Comunicação Política (COMP) da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). 

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O Correio teve acesso ao relatório As campanhas digitais para o Congresso Nacional: Como as mídias sociais se relacionam com o voto para Deputado Federal em 2022, que estará disponibilizado, a partir de amanhã, no site da Editora PUC-Rio. O levantamento constata que, em 74% dos estados, houve correlação direta entre o engajamento nas redes sociais e o número de votos.

O estudo analisou as 513 campanhas vitoriosas para deputado federal, cruzando bases públicas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com métricas de desempenho no Facebook e no Instagram, obtidas via CrowdTangle, ferramenta de monitoramento do grupo Meta — que controla as duas redes sociais sobre as quais o relatório se baseia. Foram examinadas interações orgânicas, anúncios pagos e alcance total de publicações durante o período eleitoral.

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O resultado mostra que em nove estados (33%), a relação entre redes e votos foi forte; em sete (26%), moderada; e em quatro (15%), fraca. Apenas em uma minoria das unidades da Federação o impacto das mídias sociais foi estatisticamente irrelevante.

Segundo Arthur Ituassu, professor de Comunicação Política da PUC-Rio e coordenador do estudo, o dado mais surpreendente foi a variação entre contextos regionais. "Percebemos diferenças muito grandes entre os estados. Minas, Paraná e Goiás são laboratórios de altíssimo impacto digital, enquanto Maranhão, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, a influência das redes é mais discreta", destaca.

O professor observa que o Instagram se consolidou como a principal plataforma eleitoral do país, embora o Facebook ainda tivesse, em 2022, força em estados como Acre, Amazonas e Rio Grande do Sul. "O Instagram é o ambiente dominante, mas o Facebook não pode ser desprezado", ressalta.

Novas fronteiras

Ele adianta que as próximas fronteiras a serem mais bem exploradas são o TikTok e a inteligência artificial (IA). "Certamente serão tendência nas próximas eleições. Já observamos uso intenso em campanhas municipais e em experiências internacionais recentes, como as de Javier Milei, na Argentina, e de José Antonio Kast Rist, no Chile", explica, salientando os casos de dois representantes da extrema-direita na América do Sul.

Ituassu ressalta que a IA opera "por baixo de tudo": da produção automatizada de vídeos e textos à personalização e otimização da disseminação de conteúdo, redefinindo a lógica de campanha.

Uma tendência apontada pelo relatório é a renovação política associada às mídias digitais. Depois do recorde histórico de 47,3% de novos eleitos em 2018 — o maior desde a Constituinte —, as eleições de 2022 mostraram um retorno à normalidade, com 39% de renovação e 57% de reeleição. No entanto, uma análise cuidadosa revela um dado menos visível: 64% dos eleitos, em 2022, para a Câmara, são parlamentares no primeiro ou no segundo mandato — prova da renovação contínua.

Entre os 25% dos deputados eleitos com mais interações no Facebook na última campanha, 66% foram desse grupo renovador. No Instagram, o índice chegou a 72%. Essa nova geração consolidou-se nas redes e tende a seguir como um vetor de transformação em 2026, combinando a alta visibilidade digital e estratégias de engajamento direto com o eleitor.

"Os novos atores têm se relacionado mais com as mídias sociais do que os tradicionais. E isso independe de ideologia. Há exemplos fortes tanto na esquerda quanto na direita", destaca Ituassu.

O segundo movimento que se constata na pesquisa é o avanço das novas fronteiras tecnológicas. Nas eleições de 2022, os anúncios digitais representaram, em média, pouco mais de 5% dos gastos de campanha dos eleitos para a Câmara dos Deputados. Mas já demonstraram impacto relevante em estados como Alagoas, Mato Grosso do Sul, Piauí, Rondônia e Tocantins, onde os líderes em desempenho digital e em investimento em mídia paga não coincidiram, sinal do peso crescente da publicidade segmentada.

A tendência para 2026 é de profissionalização do uso de anúncios digitais, com maior integração entre investimento, estratégia e performance nas plataformas. A publicidade paga permite que candidatos sem presença digital consolidada possam competir com candidaturas que têm esse capital político.

Ituassu destaca, porém, que o fenômeno digital não substitui completamente as formas tradicionais de campanha, mas altera sua hierarquia. "Vivemos um sistema híbrido de mídia. Tevê, redes, rua e até santinho são complementares. Produzir conteúdo igual para todos os canais é desperdiçar recurso", sentencia.

Em Minas, maior índice de engajamento

De acordo como relatório, Minas Gerais é um caso a ser destacado. Isso porque, pelo levantamento,a correlação entre engajamento e votos atingiu o índice mais alto do país. E a razão disso tem nome e sobrenome: o deputadoNikolas Ferreira (PL). Eleito com 1,49 milhão de votos, tornou-se símbolo de uma nova geração de políticos que construíram a própria base eleitoral nas redes.

Outro bom exemplo vem de Goiás, onde o deputado Gustavo Gayer (PL) obteve o maior Índice de Eficiência Financeira (IEF) do estado, com 1,645 votos por real gasto em campanha, evidenciando o poder multiplicador da presença digital.No caso da deputada Silvye Alves (União Brasil), ela obteve a melhor performance no Instagram entre os eleitos em Goiás, o que reforça o papel das redes na ampliação da visibilidade política de mulheres.

No Paraná, a correlação foi igualmente significativa e revelou uma disputa de narrativas entre polos ideológicos. Gleisi Hoffmann (PT) liderou o engajamento entre os progressistas, enquanto Deltan Dallagnol (Podemos) — que perdeu a cadeira de deputado federal, cassado por decisão unânime do Tribunal Superior Eleitoral em função do dispositivo na Lei da Ficha Limpa que prevêa inelegibilidade para membros do Ministério Público que se exoneram ou se aposentam voluntariamente apesar de responderem a processos administrativos disciplinares (PADs) —figurou entre os candidatos mais votados do país no espectro direitista. OParaná, aliás, tornou-se símbolo de um novo tipo de competição eleitoral, em que a disputa nas redes substitui o comício como arena central do debate público.

O relatório também classifica os estados, mais o Distrito Federal, em quatro grupos com os distintos impactos das redes sociais. O Grupo 1, de relação forte com as mídias digitais, inclui Minas Gerais, Paraná, Goiás, Espírito Santo e Pará. O 2, de relação moderada, reúne Rio Grande do Norte, Santa Catarina, São Paulo, Distrito Federal e Ceará.

Já o de relação fraca (grupo 3), abrange Roraima, Amazonas, Rio de Janeiro e Acre. O quarto grupo, de impacto incipiente, compreende Sergipe, Amapá, Bahia e Mato Grosso. Essa segmentação mostra quea influência do ambiente digital sobre o voto ainda varia conforme o perfil socioeconômico, o grau de urbanização e o acesso à conectividade em cada região do país.

A equipe da PUC-Rio desenvolveu três indicadores para compreenderesse fenômeno: Média Digital (MD), Média Orgânica (MO) e Índice de Eficiência Financeira (IEF). Eles permitiram mensurar o peso das redes sobre o resultado eleitoral eem relação ao custo das campanhas.

"A gente percebeu uma relação direta entre uso das mídias sociais e eficiência financeira. Quem mais usa a mídia social tem tido mais eficiência do ponto de vista de precisar de menos recurso para obter voto. Quanto maior o engajamento, menor o custo eleitoral", explica Arthur Ituassu, professor de Comunicação Política da PUC-Rio e coordenador do estudo.

O relatório aponta que, em 55% dos estados, as campanhas mais engajadas também foram as mais econômicas, inaugurando uma nova lógica de rentabilidade política. Também confirma que o Índice de Eficiência Financeira (IEF) das campanhas mais bem-sucedidas apresentou correlação positiva com a Média Digital (MD) e a Média Orgânica (MO), reforçando o papel das redes no uso racional de recursos eleitorais.

"A direita levou vantagem por trabalhar temas com maior potencial de viralização, enquanto parte da esquerda ainda concentra esforços em agendas mais segmentadas. Mas isso tem mudado. Hoje, pautas sobre desigualdade, soberania e tributação começam a ganhar tração digital", explica Ituassu.

O publicitário José Américo Silva, diretor da Cidade Propaganda, destaca que as redes sociais deixaram de ser apenas um complemento para se tornarem o coração da comunicação eleitoral. "Elas definem narrativas, revelam candidatos e aproximam o eleitor como nunca antes. Diferentemente do rádio e da tevê, onde o tempo é rigidamente dividido, nas redes o espaço é ilimitado, o alcance depende mais de estratégia, criatividade e investimento do que de tempo", adverte.

José Américo, que tem atuado em campanhas desde o início da popularização das mídias digitais, observa que a liberdade do ambiente on-line também exige planejamento, técnica e ética. Ele recorda que, em março deste ano, criou as primeiras peças de propaganda política no Brasil produzidas com inteligência artificial (IA) para o partido Cidadania.

"Foram três vídeos em que personagens digitais falavam sobre a cidadania e o Cidadania. Tudo gerado por IA, com exceção do roteiro, que foi manual. A ideia não era só inovar, mas provocar o debate sobre a necessidade de se regulamentar o uso das novas tecnologias na comunicação política", diz.

Para ele, o avanço da inteligência artificial nas campanhas, especialmente depois da eleição de 2022, representa o maior desafio ético da próxima década eleitoral. "Pouco tempo depois (da campanha do Cidadania), vimos vídeos de IA usados para defender narrativas e, em alguns casos, espalhar falsidades. A inteligência artificial, assim como as redes, pode ser instrumento poderoso para o bem e para o mal", lembra.

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postado em 19/10/2025 06:00
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