Legado

Família e amigos se despedem de José Oscar, ícone da advocacia

Preso e torturado na ditadura, advogado construiu uma trajetória de luta, compromisso humano, político e sindical

Advogado e sindicalista, José Oscar marcou a história de Brasília na defesa da democracia, dos trabalhadores e da educação -  (crédito: Maria Eduarda Lavocat)
Advogado e sindicalista, José Oscar marcou a história de Brasília na defesa da democracia, dos trabalhadores e da educação - (crédito: Maria Eduarda Lavocat)

Generosidade. Foi com essa palavra que o advogado Caio Pelúcio definiu o maior legado do avô, José Oscar Pelúcio Pereira, que faleceu na noite de quarta-feira (1º/10), aos 96 anos. Para o jovem, mais do que a carreira na advocacia ou a trajetória na militância sindical, a generosidade despretensiosa foi o ensinamento mais marcante deixado para inspirar as gerações futuras. “Eu poderia falar muitas coisas, mas acho que isso resume tudo o que ele deixou”, disse, emocionado.

Caio se recorda com carinho das memórias que guarda do avô. Para ele, mais do que o militante ou o advogado, permanece a figura afetuosa dentro da família. “A história do meu avô fala por si só: muita luta, muito sofrimento, mas também muitas conquistas. O que eu guardo mais forte, porém, é o José Oscar avô. Os valores de generosidade, amor, afeto, empatia e o senso de humor ímpar que ele sempre teve. Isso é o que fica para mim, e é o que temos o dever de levar para as nossas vidas”, afirmou.

O neto também relembra os momentos de intimidade e cuidado familiar. “As memórias são as histórias que ele contava para a gente, o suporte que sempre nos deu, o carinho e o amor que entregou até o último dia de vida. É difícil falar, mas o que guardo no coração é isso: a pessoa maravilhosa que ele foi, que ele é e que sempre será. Vou amar meu avô pelo resto da minha vida”, declarou, com lágrimas nos olhos.

Eva, sua companheira de vida, também ressaltou com afeto o legado deixado por José Oscar. “A dignidade e a transparência que sempre marcaram sua atuação profissional, como advogado dos trabalhadores, e sua militância política firme por uma sociedade mais justa sempre despertaram em mim profunda admiração e respeito. Ele foi alvo de perseguições durante a ditadura, sofreu prisão e torturas, mas enfrentou tudo com coragem, sem jamais perder a ternura. Permanece para nós o exemplo de um homem íntegro, que viveu de acordo com aquilo em que acreditava, com sinceridade e convicção”, afirmou.

Na visão dos filhos, José Oscar foi mais do que a figura pública de coragem reconhecida por todos: foi presença constante de afeto no dia a dia. O primogênito, Paulo Guilherme, recorda o pai como referência de amor e firmeza. “Ele foi um pai carinhoso e dedicado, um amigo em todos os momentos e um verdadeiro herói pela vida inteira de luta em defesa de seus ideais. Partiu, mas deixou um legado que enche de orgulho a família e também os inúmeros amigos que conquistou ao longo da caminhada”, disse.

Por meio do Instagram, o também advogado, ex-deputado e ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, utilizou a rede social para prestar uma homenagem a José Oscar. Ele declarou que  coragem e determinação em defender a democracia e a liberdade do militante são exemplos que todos deveriam seguir. 

“Neste momento de dor, enviamos nossas mais sinceras condolências à família e amigos. Que vocês encontrem conforto nas memórias de um homem que fez diferença na vida de tantos. José Oscar, sua luz sempre brilhará em nossos corações. Obrigado por tudo”, escreveu. 

 A capela 7 do Campo da Esperança estava cheia, com pessoas dentro e fora, em clima de forte emoção, para se despedir do advogado. Entre as muitas homenagens estava a do advogado e professor aposentado Gilmar Ribeiro, 65 anos, que recorda com emoção a convivência com Zé Oscar, marcada tanto pela militância política quanto pela amizade pessoal.

“Ele foi preso e torturado durante a ditadura militar. Depois, como advogado, passou a defender as causas da democracia e dos trabalhadores. Mas, além disso, criamos uma amizade profunda com ele e com toda a família”, afirmou.

Gilmar conheceu Zé Oscar em meados de 1984 e 1985, quando ele atuava como advogado do Sindicato dos Professores. A aproximação maior, no entanto, veio por meio de seu irmão, Celso Ribeiro. “Foi através dele que fiquei mais íntimo da família. Passei a conviver com sua esposa e os filhos. Frequentei muito a chácara da família. Eram encontros regados a boas histórias e muito afeto”, compartilhou.

Para Gilmar, o legado de José Oscar é inseparável de sua vivência na resistência à ditadura. “Ele criou um estilo de vida voltado ao acolhimento e à defesa das pessoas. Era amoroso, atencioso e um contador de causos, sempre cercado de amigos, com seu jeito expansivo e afetuoso. Muito disso, acredito, vinha das marcas que carregava da prisão e da tortura”, destacou.

Sindicalismo

A atuação de José Oscar também foi muito importante para o Sindicato dos Professores. Júlio Gregório Filho, 71 anos, recorda que conheceu o advogado no início do movimento sindical, quando ele cuidava dos aspectos jurídicos da entidade, defendendo colegas que sofriam com as imposições da ditadura.

Para Júlio, a contribuição de José Oscar foi decisiva para a luta docente em Brasília. “Os sindicatos e os professores devem muito a ele, grande advogado, amigo e sempre comprometido com a causa dos trabalhadores. Ele está no nosso coração e é um símbolo da redemocratização do país e da defesa intransigente dos trabalhadores.”

O professor aposentado Clerton Evaristo, 63 anos, ex-diretor do Sindicato dos Professores, também relembra com carinho e respeito a trajetória de José Oscar. “Ele foi uma grande referência para nós porque estava lá na fundação do sindicato, sempre à frente da luta pelos direitos dos trabalhadores”, afirmou.

Entre as lembranças mais marcantes, recorda um encontro recente: “Há poucos dias, vi uma foto do nosso último encontro em uma reunião de amigos. Conversávamos sobre os desafios que ainda afligem o país”, contou. Para Clerton, o legado de José Oscar vai além da atuação sindical: “Ele foi um exemplo de vida e de luta em prol dos trabalhadores e da democracia. Sua memória seguirá como inspiração.”

Aos 67 anos, o professor aposentado Nelson Moreira Sobrinho declarou que “falar do Zé Oscar é pouco”. Nelson conheceu o advogado em 1986, quando ingressou na direção do sindicato. “Ele é uma entidade. Representa a luta política em todas as frentes, especialmente na defesa dos direitos humanos e trabalhistas. Foi um homem que colocou a vida inteira à disposição da luta”, disse.


 

  • Google Discover Icon
postado em 03/10/2025 16:04
x