SEGURANÇA PÚBLICA

Distrito Federal registra sete casos de violência em escolas por dia

Dados da Polícia Civil apontam que o Plano Piloto concentra o maior número de registros em 2025, com 182 ocorrências, seguido por Ceilândia (168) e Taguatinga (125). Secretaria de Educação destaca ações para proteger estudantes

Dois estudantes mascarados emboscaram e agrediram um colega -  (crédito: Caio Gomez/cb/d.a press)
Dois estudantes mascarados emboscaram e agrediram um colega - (crédito: Caio Gomez/cb/d.a press)

O pai de um aluno de uma escola na Asa Sul foi preso em flagrante, acusado de agredir fisicamente um adolescente de 16 anos com uma cabeçada e de ameaçar de morte pelo menos três estudantes, prometendo "pegar" as famílias dos jovens. O caso, ocorrido nesta quarta-feira, está sendo investigado pela 1ª Delegacia de Polícia (Asa Sul).

O incidente teve início na segunda-feira, quando o filho dele teria supostamente perdido o celular no colégio. De acordo com o relato do próprio acusado à polícia, ele tomou conhecimento de que um adolescente estaria de posse do aparelho. Insatisfeito com as providências tomadas pela secretaria da escola, o pai decidiu retornar ao local para "tirar satisfações" e, ao deixar o local, agrediu um dos estudantes, que, segundo ele, o teria abordado, informando que "sua mãe fazia parte de facção". Apesar da gravidade, como o autuado foi liberado, mas responderá a processo.

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Segundo dados da Polícia Civil (PCDF), escolas (públicas e privadas) e arredores do Distrito Federal registraram 1.349 ocorrências criminais entre janeiro e julho deste ano, uma média de quase sete crimes por dia, segundo levantamento. Embora o número de casos, em 2025, represente uma leve redução em relação ao total de todo o ano passado — quando foram contabilizados 2.210 registros —, a persistência da criminalidade em ambientes escolares acende um alerta. O levantamento considera delitos ocorridos dentro das instituições de ensino e nas imediações, e inclui apenas ocorrências com vítimas físicas identificadas.

 

Nas regiões

Os números apontam que o Plano Piloto concentra o maior número de registros em 2025, com 182 ocorrências, seguido por Ceilândia (168) e Taguatinga (125). Juntas, essas três regiões administrativas respondem por mais de um terço (37%) dos crimes contabilizados no período.

Em seguida aparecem Gama (115), Samambaia (96) e Planaltina (81), que também figuram entre as áreas com maior incidência de delitos em torno das escolas. Em contrapartida, Varjão e Fercal apresentaram os menores índices, com apenas duas e oito ocorrências, respectivamente.

No comparativo entre os primeiros semestres de 2024 e 2025, Gama teve um aumento de 25% e Samambaia, de 20%, um crescimento expressivo. O Plano Piloto, apesar de continuar no topo do ranking, teve redução de 4% em relação ao ano anterior.

 

 

Ameaças

O relatório detalha os tipos de crimes mais recorrentes em ambiente escolar. A ameaça aparece no topo da lista, com 391 registros em 2025, seguida por lesão corporal (190), injúria (165) e vias de fato (115) — conjunto que representa quase metade de todas as ocorrências.

Outros delitos de destaque incluem furto de celular (43 casos), intimidação sistemática (bullying), com 42 registros, e importunação sexual, com 27 notificações até julho. Embora em menor número, esses crimes revelam que os ambientes educacionais seguem expostos a diversas formas de violência, que vão desde agressões verbais e físicas até ofensas de caráter moral ou sexual.

A análise da PCDF mostra que mulheres representam 55,8% das vítimas de crimes em escolas do DF. O recorte etário revela que os adolescentes entre 12 e 17 anos concentram 40% dos casos, sendo o grupo mais vulnerável. Na sequência, estão jovens de 18 a 24 anos (6,1%) e crianças de 6 a 11 anos (9,7%).

Esses números reforçam a exposição de estudantes — especialmente meninas — a situações de violência dentro e fora dos muros escolares. A proporção de vítimas do sexo masculino (44,2%) também é significativa, indicando que o problema atinge diferentes perfis e contextos sociais.

 

Quadro preocupante

Para a Miriam Abramovay, referência nacional do tema e pesquisadora e coordenadora da área de juventude e políticas públicas da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), ligada à Unesco, a não é possível atribuir a responsabilidade por esses episódios a um único fator. "São fatores múltiplos e cotidianos da nossa sociedade, que, ao produzir e reproduzir padrões violentos e, muitas vezes, carregados de misoginia, homofobia,  racismo etc, podem fazer com que tais comportamentos penetrem na escola e seu cotidiano", explica. 

Abramovay alerta que as consequências da violência escolar são profundas e se estendem por anos. "Os efeitos imediatos podem ser sobre a saúde mental, sobre as emoções, sobre o sentimento de pertencimento. A longo prazo, há impacto na evasão, na repetência e na própria qualidade da escola", afirma.

A pesquisadora também critica a ausência de um diagnóstico nacional sobre o problema e a falta de políticas públicas estruturadas para combatê-lo. "Existem poucas políticas públicas consistentes sobre as violências nas escolas, porque não existe sequer um diagnóstico completo sobre o tema", observa. Para ela, a dificuldade em obter dados está relacionada à falta de investimento. "Fazer um diagnóstico é caro, e é preciso acreditar que diagnósticos são importantes. E eu acho que não é isso que existe da forma ideal hoje".

 

 

Menos violência

Criada há dois anos, a Assessoria Especial de Cultura de Paz nas Escolas, vinculada à Secretaria de Educação do DF, vem se consolidando como articuladora das ações de prevenção à violência no ambiente escolar. Segundo a chefe da assessoria, Ana Goldstein, as políticas da secretaria são voltadas à prevenção e à promoção da convivência saudável e visam combater sintomas de problemas que, por vezes, ultrapassam os muros das escolas.

"A violência é uma questão social. A escola é apenas o ambiente onde, por vezes, essas situações ocorrem. Muitas delas vêm de fora dos muros escolares", observa. Para ela, enfrentar o problema exige olhar também para as famílias e comunidades. "Precisamos cuidar dessas comunidades e dessas famílias, porque o desajuste, muitas vezes, vem de fora da escola", complementa.

Entre as iniciativas citadas por Goldstein está o Caderno de Experiências Exitosas em Educação para a Paz, publicação que reúne boas práticas desenvolvidas por escolas da rede pública do DF. "Esse caderno traz projetos criados pelos próprios estudantes. Todas as escolas receberam o material, e uma inspira o trabalho da outra", relata.

Um dos exemplos é o projeto Vem Comigo, do CEM 01 do Guará, que estimula o protagonismo estudantil e a escuta ativa entre alunos, por grupos de apoio. "É claro que um colega que está sofrendo alguma situação conversa muito mais com outro colega do que com um professor. O projeto parte disso, fortalecendo a escuta e a empatia para reduzir casos de bullying", afirma.

A chefe da Assessoria de Cultura de Paz reforça que a superação da violência escolar depende de uma rede de apoio ampla e colaborativa. "Educação não se faz sozinha. Trabalhamos com segurança pública, saúde, direitos humanos e com a comunidade escolar para construir uma cultura de paz. Somos uma casa de formação. Nosso papel é dar instrumentos para que escolas, professores e estudantes saibam lidar com o conflito e transformá-lo em aprendizado", afirma.

 

Artigo: A escola sob o peso da violência

Rosilene Corrêa, diretora Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação

Inserida que é na sociedade e no seu contexto histórico, a escola é também vítima da violência. A agressividade que se observa hoje no interior de escolas da nossa rede pública – e também na rede privada – reflete uma realidade muito mais ampla. Não faz muito tempo que o Brasil viu discursos violentos subirem o tom, promovendo o extermínio do diferente e o esmagamento dos mais vulneráveis. Discursos de ódio ganham eco desde a internet até as ruas, e muitos se orgulham da própria intolerância.

Nesse mesmo contexto, professores são colocados sob suspeição por setores que buscam criminalizar a ciência, o conhecimento e a atuação de educadores em sala de aula. São os mesmos setores que se apresentam contrários à regulamentação das redes sociais, que, notadamente, têm sido palcos e agentes ativos da propagação de discursos violentos.

Conflitos que acontecem dentro da escola são, muitas vezes, construídos em diversas camadas que estão fora dela. Desavenças, disputas, machismo, racismo, LGBTfobia e criminalidade encontram um cenário de incentivo à prática da violência. A ausência de políticas públicas de âmbito distrital é notória. Na contramão da política nacional, o GDF não se empenha, por exemplo, na ampliação do ensino de tempo integral, especialmente no Ensino Médio. Abandonou a política dos batalhões escolares, enquanto a resposta da militarização já se mostrou ineficiente e inadequada.

Mas a escola é justamente o espaço privilegiado de se questionar a violência, de repensar a forma de cada ser humano se inserir no mundo e de se ensinar o respeito, a tolerância e a empatia. Para que ela cumpra sua vocação transformadora, precisa exatamente do que o GDF não lhe tem dado: valorização.

 

Relembre alguns casos de violência neste ano

Outubro

Um tumulto em uma escola de São Sebastião terminou com o uso de spray de pimenta por uma vigilante para dispersar a confusão. O caso ocorreu na última terça-feira. Ao menos dois estudantes foram hospitalizados devido aos efeitos do gás.

 

Setembro

Um adolescente foi esfaqueado em frente a uma escola no Riacho Fundo II. Ocorrido no dia 2/10, o crime teria sido motivado por uma briga entre jovens, que aconteceu durante a saída de alunos. Segundo testemunhas, a confusão começou devido a uma desavença entre a vítima e outro menor de idade, por conta de uma fita da torcida organizada do Flamengo.

 

Agosto

Em 26 de agosto, dois adolescentes, de 17 anos, foram flagrados planejando um massacre a escolas do DF, em meados de setembro. Os alunos gravaram vídeos fabricando armas artesanais e preparando o ataque. Eles mantinham um site próprio, onde propagavam discursos de ódio contra mulheres, negros e pessoas LGBTQIAPN+, além de fazerem apologia ao nazismo.

 

Julho

Uma adolescente, que estuda em uma escola em Ceilândia, foi ameaçada com uma arma durante uma discussão com outra menina. O caso ocorreu no dia 15. Um vídeo que circulava nas redes sociais mostrava que um homem aparecia, separava as estudantes e apontava a arma para uma delas. Segundo o relato da gestora, a confusão envolveu duas estudantes e o namorado de uma delas, que não é da unidade escolar.

 

Junho

Em 16 de junho, uma criança foi agredida por um homem de 41 anos durante uma apresentação de uma festa junina em uma escola de Vicente Pires. O menino, junto com outras crianças, estava no palco, quando o agressor subiu e partiu para cima dele. Em nota, a escola afirmou que a família envolvida não seguirá mais vinculada ao colégio.

 

 

Colaboraram Nathalia Queiroz e Ana Carolina Alli*

Estagiária sob a supervisão de José Carlos Vieira

 


A escola sob o peso da violência

Inserida que é na sociedade e no seu contexto histórico, a escola é também vítima da violência. A agressividade que se observa hoje no interior de escolas da nossa rede pública – e também na rede privada – reflete uma realidade muito mais ampla. Não faz muito tempo que o Brasil viu discursos violentos subirem o tom, promovendo o extermínio do diferente e o esmagamento dos mais vulneráveis. Discursos de ódio ganham eco desde a internet até as ruas, e muitos se orgulham da própria intolerância.

Nesse mesmo contexto, professores são colocados sob suspeição por setores que buscam criminalizar a ciência, o conhecimento e a atuação de educadores em sala de aula. São os mesmos setores que se apresentam contrários à regulamentação das redes sociais, que, notadamente, têm sido palcos e agentes ativos da propagação de discursos violentos.

Conflitos que acontecem dentro da escola são, muitas vezes, construídos em diversas camadas que estão fora dela. Desavenças, disputas, machismo, racismo, LGBTfobia e criminalidade encontram um cenário de incentivo à prática da violência.  A ausência de políticas públicas de âmbito distrital é notória. Na contramão da política nacional, o GDF não se empenha, por exemplo, na ampliação do ensino de tempo integral, especialmente no Ensino Médio. Abandonou a política dos batalhões escolares, enquanto a resposta da militarização já se mostrou ineficiente e inadequada.

Mas a escola é justamente o espaço privilegiado de se questionar a violência, de repensar a forma de cada ser humano se inserir no mundo e de se ensinar o respeito, a tolerância e a empatia. Para que ela cumpra sua vocação transformadora, precisa exatamente do que o GDF não lhe tem dado: valorização.

Relembre os casos de agressão

Outubro

» Um tumulto em uma escola de São Sebastião terminou com o uso de spray de pimenta por uma vigilante para dispersar a confusão. O caso ocorreu na última terça-feira. Ao menos dois estudantes foram hospitalizados devido aos efeitos do gás.

 

Setembro

Um adolescente foi esfaqueado em frente a uma escola no Riacho Fundo II. Ocorrido no dia 2/10, o crime teria sido motivado por uma briga entre jovens, que aconteceu durante a saída de alunos. Segundo testemunhas, a confusão começou devido a uma desavença entre a vítima e outro menor de idade, por conta de uma fita da torcida organizada do Flamengo.

Agosto

Em 26 de agosto, dois adolescentes, de 17 anos, foram flagrados planejando um massacre a escolas do DF, em meados de setembro. Os alunos gravaram vídeos fabricando armas artesanais e preparando o ataque. Eles mantinham um site próprio, onde propagavam discursos de ódio contra mulheres, negros e pessoas LGBTQIAPN+, além de fazerem apologia ao nazismo.

Julho

Uma adolescente, que estuda em uma escola em Ceilândia, foi ameaçada com uma arma durante uma discussão com outra menina. O caso ocorreu no dia 15. Um vídeo que circulava nas redes sociais mostrava que um homem aparecia, separava as estudantes e apontava a arma para uma delas. Segundo o relato da gestora, a confusão envolveu duas estudantes e o namorado de uma delas, que não é da unidade escolar.

Junho

» Em 16 de junho,

uma criança foi

agredida por um homem de 41 anos durante uma apresentação de uma festa junina em uma escola de Vicente Pires. O menino, junto com outras crianças, estava no palco, quando o agressor subiu e partiu para cima dele. Em nota, a escola afirmou que a família envolvida não seguirá mais vinculada ao colégio.

Crimes mais frequentes

NATUREZA CRIMINAL
2024
2025* (Jan-Jul)
Total Geral
% EM RELAÇÃO AO TOTAL
EM APURACÃO
656
378
1034
16,32%
AMEAÇA
536
391
927
14,63%
LESÃO CORPORAL
306
190
496
7,83%
INJURIA
305
165
470
7,42%
VIAS DE FATO
173
115
288
4,55%
FURTO DE CELULAR
103
43
146
2,30%
DIFAMACAO
69
51
120
1,89%
ROUBO A TRANSEUNTE
70
38
108
1,70%
INTIMIDAÇÃO SISTEMÁTICA (BULLYING)
51
42
93
1,47%

Ocorrências por região

REGIÃO ADMINISTRATIVA
2024
2025* (Jan-Jul)
TOTAL
%
BRASÍLIA
318
182
500
14,05%
CEILÂNDIA
272
168
440
12,36%
TAGUATINGA
240
125
365
10,26%
GAMA
146
115
261
7,33%
SAMAMBAIA
163
96
259
7,28%

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postado em 10/10/2025 05:20 / atualizado em 10/10/2025 09:54
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