
Túmulos quebrados, lixo espalhado, mato alto e placas de identificação furtadas. Esse é o cenário que muitos brasilienses encontram ao visitar os seis cemitérios do Distrito Federal nos dias que antecedem o feriado de Finados. O que deveria ser um espaço de silêncio, memória e homenagem aos que partiram acaba revelando o descuido e a falta de preservação. Entre lápides danificadas e corredores tomados pelo capim, familiares buscam manter viva a memória de quem se foi.
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Em Taguatinga, o cenário é de lixo espalhado entre os túmulos, flores secas acumuladas nos corredores e mato crescendo sobre as sepulturas. Nesse cenário, o aposentado Francisco Ferreira, de 83 anos, carrega lembranças dos dois filhos e de um neto sepultados ali. Ele conta que, no ano passado, teve a placa de bronze do túmulo de um dos filhos furtada. Desde então, improvisou uma identificação com papel e plástico. "Paguei R$ 240 na placa, em 2003. Roubaram. Aqui é assim, tudo some, e ninguém faz nada. Eu só descobri que tinha sido roubada quando vim visitá-lo, mas ainda não tive condições de comprar outra, então deixei com o papel escrito para identificar onde é a lápide", lamenta. Francisco destaca que, mesmo havendo contrato de manutenção, o serviço não é cumprido. "A gente paga por limpeza e conservação, mas não tem nada disso. Se tivesse segurança, essas coisas não aconteceriam", desabafa.
No mesmo cemitério, a família Serra ainda se revolta ao lembrar o desaparecimento das placas de bronze do jazigo do patriarca. "Assim que enterramos meu pai, levaram as plaquinhas. Disseram (administração) que era pra vender o metal", diz Josevaldo Serra, 44. Ele explica que mandaram confeccionar novas, agora de plástico, para evitar novos furtos. "O próprio pessoal do cemitério falou pra fazer desse material, porque esse eles não levam", detalha.
A viúva Maria José Serra, 75, e a nora Lídia Gabrielle, 40, visitam o local com frequência e percebem que, além desse tipo de transtorno, a limpeza e a segurança continuam ruins. "Quando chega essa época, eles dão uma maquiada. Mas é só passar o feriado que o mato volta a crescer", critica Maria.
Estrutura precária
No Cemitério do Gama, montes de resíduos diversos se acumulam próximo às sepulturas, misturados a sacos de lixo e galhos de árvores secos. O morador da cidade Del Reis, de 71 anos, está desanimado com o descaso. "Roubaram a plaquinha do túmulo do meu filho, levaram o nome dele e tudo. Deixaram só a foto", relatou, indignado. "Eu me arrependo de ter enterrado ele aqui porque não tem o minimo de cuidado com os túmulos", protesta.
Em Planaltina, uma área destinada a descarte de entulho, atrás das lápides, causa estranhamento e preocupação. Irani dos Santos, 53, e Rosilda Oliveira do Santos, 73, descrevem um cotidiano de desleixo que precisa ser compensado pelos próprios visitantes. "Se a gente não pagar por fora, não tem manutenção aqui, além de todo o lixo espalhado por aqui, que deixa tudo feio", queixa-se Irani. Rosilda cita furtos e vandalismo no túmulo da filha, também enterrada em Planaltina. "Já roubaram o jarro, quebraram o mármore e a cruz está sem as letras com as informações dela", lamenta.
No Cemitério de Brazlândia, o capim alto se mistura às marcas do tempo. Maria da Guia, 65, passou a manhã desta terça-feira (28/10) limpando os túmulos dos familiares — avó, dois tios, marido, mãe e irmão. "Os matos tomam conta, a gente mesmo tem de vir limpar. Se deixar, some tudo", lamenta. O silêncio contrasta com o relato de vandalismo. "Carregaram o material de granito da capela todinha do túmulo da minha mãe e do meu marido. Quando eu cheguei, não tinha mais nada. Fico triste, porque é um lugar de homenagem e não tem nenhum cuidado nem segurança", desabafa.
Em Sobradinho, a falta de estrutura também preocupa. Enquanto limpava as sepulturas dos parentes, Rosilene Silva, 57, diz que a água para essa tarefa é difícil de conseguir. "Acabou a água que trouxemos, porque aqui nunca tem próximo aos túmulos. Agora, temos que ir até a administração pegar mais pra poder limpar", afirma, carregando baldes e galões trazidos de casa. Segundo ela, que tem o marido, a sogra e outros familiares enterrados ali, a manutenção do local só ocorre quando os visitantes contratam alguém externo.
Na Asa Sul, o cenário é desigual. Lápides novas e sepulturas jardinadas convivem com túmulos antigos, cobertos por vegetação. Parte do cemitério sofre com falhas na irrigação — a grama seca e cria manchas marrons sobre as sepulturas no centro da área. Quem não paga por serviços terceirizados convive com a deterioração. Ernandes Aquino Montalvão, 50, reclama que a manutenção é irregular. "Viemos aqui a cada dois ou três meses. Da última vez, a grama estava muito alta, e melhorou. Mas, agora, com a falta de água, a vegetação está deteriorada e os túmulos estão mais sujos", acrescenta.
O que diz a empresa
Procurada pelo Correio, a Campo da Esperança Serviços, que administra os cemitérios, informou que é responsável pela manutenção das áreas comuns, o que inclui a conservação e a limpeza das salas de velórios, da área administrativa. Por esse serviço, conforme a empresa, não é cobrada qualquer taxa dos proprietários de jazigos.
"Lixo, entulho e resto de plantas e de podas são recolhidos e postos à beira da pista em montes e um caminhão da empresa recolhe o material para ser descartado. A maior parte desse material é produzida por jardineiros informais que prestam serviço irregular de manutenção de jazigos dentro dos cemitérios sem qualquer fiscalização", disse, em nota. A limpeza e a conservação dos seis cemitérios do DF são executadas por 86 funcionários, sendo 65 dedicados exclusivamente para essas funções. O trabalho é feito diariamente, em etapas, visto que são áreas extensas. A manutenção individual e a limpeza dos jazigos são responsabilidade dos proprietários, visto que são bens privados.
De acordo com a Campo da Esperança, "a segurança privada dos cemitérios é feita 24 horas por profissionais armados. Há, ainda, câmeras de vigilância instaladas em locais estratégicos para auxiliar o trabalho preventivo. Quando há ocorrência de crimes, as autoridades responsáveis são acionadas, e a empresa colabora com todas as informações que possuir", concluiu.
Colaborou Artur Maldaner, estagiário sob a supervisão de Malcia Afonso.
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