urbanização

"Esqueletos" da capital federal: ruínas de prédios geram insegurança e prejuízos

Especialistas apontam que estruturas abandonadas são resultado de falhas estruturais e avaliam se a nova versão do PDOT será efetiva no combate a imóveis nessa situação

 03/12/2025 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF -  Ruínas de Brasília. Ruínas do Clube do Servidor no Setor de Clubes Norte. -  (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
03/12/2025 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF - Ruínas de Brasília. Ruínas do Clube do Servidor no Setor de Clubes Norte. - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Antigos redutos da alta sociedade brasiliense, espaços que, antes eram sinônimo de progresso e planejamento, hoje viraram ruínas. Quem cruza Brasília todos os dias se depara com diferentes locais abandonados ou que sequer foram finalizados, seja por falta de recursos, seja por desinteresse dos proprietários. O resultado é insegurança, instabilidade estrutural e proliferação de vetores causadores de doenças.

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De janeiro a novembro deste ano, a Secretaria DF Legal registrou 2.195 autuações a proprietários de áreas em situação de abandono — cerca de sete notificações por dia no Distrito Federal. Especialistas ouvidos pelo Correio apontam para falhas econômicas e de gestão, e avaliam se a nova versão do Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT) será efetiva no combate aos 'esqueletos' da capital federal. 

Recentemente aprovado pela Câmara Legislativa (CLDF), o texto do PDOT orientará o crescimento urbano de Brasília pelos próximos 10 anos. Segundo Benny Schvarsberg, arquiteto, urbanista e professor da Universidade de Brasília (UnB), a revisão do documento apresenta instrumentos de política urbana a serem aplicados para combater a retenção especulativa de imóveis e promover a função social da propriedade, tais como o Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios (Peuc). 

No Peuc, o poder público obriga o proprietário de imóveis urbanos vazios ou subutilizados a parcelar, edificar ou dar uso ao terreno, para cumprir a função social da propriedade, combater vazios urbanos e evitar a especulação imobiliária, com sanções progressivas, como IPTU mais caro e até desapropriação. "Esses instrumentos podem contribuir para enfrentar o abandono, desde que haja uma estrutura técnica capacitada a implementar tais instrumentos e vontade política por parte do GDF", explica o pesquisador na área de urbanismo e planejamento urbano.  

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Também professor da UnB, o arquiteto e urbanista Frederico Flósculo avalia de outra maneira. Segundo o especialista, o PDOT não deve melhorar a situação, visto que considera o plano um documento "imobiliário", focado apenas em orientar investimentos da construção civil. "Faltam diagnósticos sobre o bem-estar da população e políticas voltadas ao desenvolvimento humano. Esse desequilíbrio reproduz abandono, colapso institucional e uma cidade que acumula mais ruínas do que equipamentos culturais ativos", defende o mestre em planejamento urbano e doutor em desenvolvimento humano. 

Insegurança

A reportagem visitou alguns pontos conhecidos pelo abandono, como a Torre Palace Hotel, no Setor Hoteleiro Norte; as instalações do que seria a Escola Superior de Guerra, no Setor de Mansões Isoladas Norte; o Clube do Servidor, no Setor de Clubes Esportivos Norte; e um templo islâmico inacabado, na 712/912 Norte. Os espaços acumulam lixo, vegetação alta, mofo, pichações, partes de paredes caídas e resquícios de incêndios. 

De acordo com Flósculo, o abandono de edificações, tanto no setor público quanto no privado, está associado ao colapso de negócios, à má administração, à incapacidade de manter atividades e a crises econômicas. "Brasília é uma cidade com economia artificial, sustentada majoritariamente pela máquina pública e não por uma base econômica diversificada, como outras capitais. Além disso, a falta de planejamento e a desconexão entre governo local, governo federal e desenvolvimento econômico geram instabilidade e descontinuidades", explica.

O templo islâmico, na 712/912 Norte, tem diversos problemas. Com um buraco na cerca, o lugar virou ponto de encontro de usuários de drogas e pessoas em situação de rua. Dentro, há entulho, lixo e água acumulada. O cheiro é de mofo. Escondida, uma placa informa "Centro Islâmico de Brasília". "Todos os anos, no período da seca, pega fogo aqui atrás. O tráfico acontece todas as noites e, como se não se bastasse, algumas pessoas invadiram o terreno e estão morando nos fundos há anos", denuncia um comerciante que atua próximo ao local e prefere não se identificar, por medo de represálias. "Já fui ameaçado", comenta. 

Segundo o comerciante, o templo em ruínas foi construído em 1972. Porém, cerca de seis anos depois, foi atingido por um incêndio. A reportagem tentou contato com o Centro Islâmico de Brasília, porém, não obteve retorno até a publicação desta edição.

No Setor de Mansões Isoladas Norte, quem se aproxima da beira do Lago Paranoá nota estruturas de concreto inacabadas e parcialmente escondidas pela vegetação. Ao redor, embalagens de comidas, garrafas de bebidas e até parte de um colchão. Aproximando-se do espaço, veem-se muros com cerca de 5 metros de altura, escadas subterrâneas e pichações. São as ruínas do que seria a Escola Superior de Guerra, cujas obras foram iniciadas em 1973.

O projeto, abandonado dois anos depois, pulou de órgão em órgão até chegar às mãos do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), que prevê transformar o espaço no Parque Ecológico da Enseada Norte, aberto ao público. Questionada sobre a previsão para a revitalização do local e o estado de abandono, a pasta afirma que o GDF ainda não definiu um projeto específico para o parque, "criado e instituído como unidade de conservação". 

Já a Polícia Militar (PMDF) informou manter patrulhamento constante em locais com indícios de abandono, realizando rondas regulares e vistorias quando necessário. "As equipes atuam de forma preventiva e, sempre que acionadas, verificam denúncias, realizam abordagens e adotam as medidas policiais cabíveis para coibir práticas ilícitas e garantir a segurança da população", afirmou a corporação, em nota.

Intervenção

Em 2021, foi sancionada a Lei 6.911, que permite ao DF impedir que imóveis abandonados, públicos e privados, causem deterioração urbana, isto é, poluição e degradação ambiental, exposição da população a riscos de desastres, ocorrência de fatores causadores de zoonoses, retenção especulativa de imóvel urbano que resulte na sua subutilização ou não utilização, ociosidade urbana e aprofundamento de vulnerabilidades sociais. 

Mas para o urbanista Schvarsberg, a lei não está sendo aplicada. "Não há um setor organizado mapeando tais imóveis para notificá-los, dando prazo para apresentação de projeto de parcelamento, edificação ou utilização, em imóveis vazios ou subutilizados", explica. Para Flósculo, a lei não enfrenta o cerne do problema, pois não responsabiliza os verdadeiros gestores e proprietários pelo abandono. "A legislação é tímida, focada em proteger interesses imobiliários. Sem estudar as causas estruturais do abandono, a medida não pode ser aplicada de forma efetiva", reforça.

Ao Correio, a Casa Civil informa que a Lei 6.911 está em vigor. "No entanto, o acompanhamento de sua aplicação não é de responsabilidade da pasta. Para tratar de assuntos relacionados à aplicação da lei, a demanda deve ser direcionada para a Secretaria DF Legal e Defesa Civil, órgãos responsáveis pela fiscalização", disse em nota.

O DF Legal explica que é mobilizado após receber denúncias de lotes sujos, edificados ou não. Nesses casos, a pasta envia um auditor-fiscal até o local para tentar identificar o proprietário e, uma vez identificado, ele é notificado e tem o prazo de 15 dias para fazer a limpeza, cercar e construir a calçada em frente ao lote. Caso o responsável não cumpra com as exigências, pode ser multado em até 3,5% do valor venal do imóvel.

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No caso de áreas públicas, a pasta deve ser acionada via Ouvidoria, Administração Regional ou por meio do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT). Se o local estiver sendo usado indevidamente por terceiros para descarte irregular de resíduos e a pessoa for pega em flagrante, será atuada e multada conforme a legislação. 

Já a Defesa Civil diz atuar na análise de risco dos imóveis. "Quando há indícios de abandono ou deterioração estrutural, a subsecretaria pode ser acionada tanto por órgãos do GDF — como Administração Regional, DF Legal ou Corpo de Bombeiros — quanto por moradores da região, que podem registrar a solicitação pelos canais oficiais de atendimento", afirmou em nota.

Após o acionamento, a Defesa Civil realiza a vistoria técnica no local e avalia se a edificação oferece risco à segurança das pessoas. Quando necessário, são emitidos termos de interdição, orientações de segurança e comunicação aos órgãos responsáveis para providências complementares.

A saga de um clássico de Brasília

Um dos edifícios em ruínas mais conhecidos de Brasília, o Torre Palace Hotel será demolido, agora em nova data: 25 de janeiro de 2026. A demolição foi recomendada pelo DF Legal. Em péssimas condições, o prédio está com sinais de infiltração na estrutura e desplacamento do revestimento. Segundo Marcos Cumagai, conselheiro do grupo que adquiriu o local, os preparativos para a implosão estão na reta final. "No local será construído um hotel de alto padrão", comenta Cumagai. 

Situação semelhante ocorre no Clube do Servidor, localizado na L4 Norte. Abandonada por anos, a área foi cedida ao Senado pela Secretaria de Patrimônio, em 2018, e passa por obras de revitalização para abrigar o Centro Cultural dos Poderes da União.

"Antes de ser cedida ao Senado, as invasões eram constantes. Foi preciso reforçar o cercamento e a segurança", comenta um vigilante. Em nota, o órgão federal destaca que "projetos executivos estão sendo elaborados e, no local, já foram iniciadas ações de limpeza do terreno e manutenção dos elementos estruturais que se encontravam em elevado estado de degradação". O contrato com a empresa de engenharia tem vigência até dezembro de 2026. 

A expectativa é que, com as reformas, os dois espaços apresentem uso efetivo e, no caso do futuro Centro Cultural dos Poderes da União, sirva positivamente à comunidade. Os urbanistas Benny Schvarsberg e Frederico Flósculo citam exemplos de sucesso: o Espaço Cultural Renato Russo, o Museu de Arte de Brasília, o Sesi Lab e o comércio criativo na altura da 504 Norte.

"É curioso observar que muitos dos locais ligados à cultura da cidade, como clubes, hotéis e academias, colapsaram ao longo dos anos. Isso diz muito sobre a necessidade de o governo adotar políticas urbanas baseadas no desenvolvimento humano, com programação cultural, esportiva e comunitária bem estruturada", avalia Flósculo.  (LM)

  • Ruínas da Escola Superior de Guerra estão sob responsabilidade do Ibram
    Ruínas da Escola Superior de Guerra estão sob responsabilidade do Ibram Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
  • Clube do Servidor, no Setor de Clubes Esportivos Norte, foi cedido ao Senado passa por revitalização
    Clube do Servidor, no Setor de Clubes Esportivos Norte, foi cedido ao Senado passa por revitalização Foto: Fotos: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
  • Obras da Escola Superior de Guerra foram iniciadas em 1973 e abandonadas dois anos depois
    Obras da Escola Superior de Guerra foram iniciadas em 1973 e abandonadas dois anos depois Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
  • Templo islâmico, na 712/912 Norte, está rodeado de mato alto e resquícios de incêndios. Dentro, há entulho, lixo e água acumulada
    Templo islâmico, na 712/912 Norte, está rodeado de mato alto e resquícios de incêndios. Dentro, há entulho, lixo e água acumulada Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
  • Tempo islâmico, na 712/912 Norte está rodeado de matos altos e resquícios de incêndios. Dentro, há entulho, lixo e água acumulada
    Tempo islâmico, na 712/912 Norte está rodeado de matos altos e resquícios de incêndios. Dentro, há entulho, lixo e água acumulada Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
  • Templo islâmico na 712/912 Norte
    Templo islâmico na 712/912 Norte Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
  • Tempo islâmico, na 712/912 Norte está rodeado de matos altos e resquícios de incêndios. Dentro, há entulho, lixo e água acumulada
    Tempo islâmico, na 712/912 Norte está rodeado de matos altos e resquícios de incêndios. Dentro, há entulho, lixo e água acumulada Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
  • Espaço Renato Russo foi reformado e, hoje, 
abriga diferentes eventos culturais
    Espaço Renato Russo foi reformado e, hoje, abriga diferentes eventos culturais Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
  • Sesi Lab ocupa espaço do antigo
Touring Clube do Brasil
    Sesi Lab ocupa espaço do antigo Touring Clube do Brasil Foto: Divulgação
  • O Torre Palace Hotel será demolido em 25 de janeiro
    O Torre Palace Hotel será demolido em 25 de janeiro Foto: Ed Alves CB/DA Press
  • DF Legal recomendou a demolição do Torre Palace Hotel
    DF Legal recomendou a demolição do Torre Palace Hotel Foto: Divulgação
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postado em 22/12/2025 05:00
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