Meio ambiente

Lixo aéreo: fios tomam a paisagem do DF até em locais tombados

Emaranhados avançam, e moradores se queixam de impactos estéticos, desrespeito à lei e insegurança. Especialista alerta que o tombamento inclui a paisagem urbana, e ela não deve ser alterada

Fiação exposta no Setor Hoteleiro Norte fere o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico da capital -  (crédito: Fotos: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Fiação exposta no Setor Hoteleiro Norte fere o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico da capital - (crédito: Fotos: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

A crescente fiação aérea presente em diferentes pontos do Plano Piloto tem provocado críticas de moradores e reacendido debates sobre preservação urbanística e sobre segurança. O espaço, tombado e considerado Patrimônio Cultural da Humanidade, foi planejado para priorizar a instalação de cabos subterrâneos, das áreas centrais a vias expressas, conforme o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB), regulamentado no fim de 2024. No entanto, é comum encontrar emaranhados de cabos que colocam em risco a segurança da comunidade, em especial no período de chuvas.  

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Ao circular pelo Plano Piloto, o Correio constatou que a lei não tem sido respeitada. Fios se acumulam em postes do Setor Hoteleiro e W3 Norte, no Trevo de Triagem Norte, nos acessos ao Lago Paranoá e no Sudoeste. "A Ponte do Bragueto tem fiação aérea dos dois lados da ponte. No Eixão Sul, tem fios próximos ao Banco Central. Isso afeta a questão estética da cidade, visto que uma das características mais interessantes de Brasília é justamente sua limpeza visual", comenta o advogado Antônio Martins, 32 anos, morador do Lago Norte.

Segundo o texto do PPCUB, é vedada a instalação de rede de energia elétrica ou assemelhada do tipo aérea nas seguintes áreas: Eixo Monumental; superquadras e áreas de vizinhança, inclusive as áreas verdes contíguas ao Eixo Rodoviário-Residencial, aos Eixos auxiliares L e W e às alças de acesso às superquadras; setores centrais; orla do Lago Paranoá; setores de embaixadas; grandes parques e outras áreas de transição urbana; W3 Norte e W3 Sul; setores complementares — áreas oeste e leste; e Setor Terminal Sul. 

O cumprimento das normas associadas à preservação da cidade é, segundo o arquiteto e urbanista José Leme Galvão, de máxima importância. "Os valores que levaram ao tombamento e decorrente conservação do patrimônio cultural incluem a paisagem urbana, que, por sua vez, é composta de elementos de infraestrutura pública. Se nossa paisagem é compreendida por eletrificação subterrânea, deve continuar a ser assim, pois qualquer interferência é visível e evidente", explica o especialista, aposentado do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Para o morador do Lago Norte, a preocupação com a fiação aérea abrange questões de segurança. "No período de chuva, as quedas de árvores são frequentes na capital. Isso gera tanto riscos de choque e acidentes, quanto perda de energia elétrica", completa. De acordo com o PPCUB, redes aéreas já existentes em desacordo com a lei devem ser substituídas por infraestrutura subterrânea em até dois anos, podendo envolver parcerias público-privadas.

"Falta planejamento"

Quem transita pelo Cruzeiro e Sudoeste também relata transtornos. O servidor público Daniel Rezende, 30, afirma que, nestes locais, a fiação aérea domina a paisagem. Segundo ele, as recentes quedas de energia — provocadas por ventos e galhos que atingem os emaranhados de cabos — evidenciam a falta de planejamento. "Nas últimas semanas, tivemos, ao menos, oito interrupções no fornecimento de luz", critica. 

Ao retornar a Brasília após morar fora, o administrador João Brito, 32, diz ter percebido mudanças contundentes na paisagem urbana. "Os postes com fios aéreos aparecem desde a chegada ao aeroporto até o coração do Plano Piloto. Me parece um abandono de critérios históricos que sempre guiaram o cuidado urbanístico da cidade", opina o morador da Asa Norte. 

Questionada sobre a presença de postes com fios expostos em áreas onde só deveria haver rede subterrânea, a Companhia Energética de Brasília (CEB) IPes afirma que todos os postes de iluminação pública sob sua gestão contam com cabos subterrâneos tanto no centro da capital quanto nas demais regiões. Já a Neoenergia Brasília, responsável pela distribuição de energia elétrica, destaca que a definição do modelo de rede urbana (aérea ou subterrânea) é de competência da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh/DF).

A distribuidora ressalta ser responsável pela operação e manutenção das redes existentes, por obras em áreas de interesse social e pela fiscalização e notificação de empresas irregulares ou em situações de risco, obrigadas a remover os cabos. "Atualmente, 9% dos clientes do DF são atendidos por rede elétrica subterrânea. Desse total, 74% estão concentrados no Plano Piloto — incluindo Asa Sul, Asa Norte, Setor Comercial, Setor Bancário, Sudoeste e Noroeste. Os demais 91% são atendidos por rede aérea, modelo que predomina no Brasil e no mundo", informa a Neoenergia.

A Seduh reforça a norma disposta no PPCUB, sobre a proibição de fiação aérea em espaços tombados, mas pondera que a atribuição de elaborar projetos de rede elétrica ou fazer adequação nas existentes está a cargo das concessionárias de serviços públicos. 

Remoção

Desde agosto deste ano, a Neoenergia retirou seis toneladas de fiação clandestina em sete regiões administrativas do DF, entre elas Guará, Águas Claras, Samambaia e Sobradinho, e diz estar mapeando pontos críticos e realizando fiscalizações contínuas. Além do perigo de choques elétricos, o modelo de cabos aéreos costuma apresentar problemas recorrentemente. "Dizem que se trata de uma instalação mais simples, no entanto, é passível sofrer com intemperismos, como tempestades, raios e quedas de árvores. As substituições são constantes e caríssimas, diferentemente da fiação subterrânea", explica o urbanista José Leme Galvão. 

Questionada sobre as interrupções de energia recorrentes no Plano Piloto, a Neoenergia afirma que a principal causa está no furto de cabos. "É uma questão de segurança pública, que afeta o fornecimento de energia e coloca a população em risco. Para conter o avanço do crime, a Neoenergia intensificou o reforço de rondas, o travamento de tampões de acesso à rede subterrânea e o monitoramento contínuo de áreas estratégicas", diz a companhia. 

A CEB orienta que a população não se aproxime de cabos expostos — que podem ser fruto de vandalismo ou furto — e registre a ocorrência pelo número 155 ou pelo aplicativo Ilumina DF. Tanto a CEB quanto a Neoenergia orientam que moradores busquem primeiro as operadoras responsáveis por cabos de telecomunicações. Em casos de risco grave ou suspeita de irregularidade na rede elétrica, a ligação pode ser feita diretamente à distribuidora.

  • Fiação exposta no Sudoeste
    Fiação exposta no Sudoeste Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
  • Fios emaranhados no Setor de Rádio e TV Norte
    Fios emaranhados no Setor de Rádio e TV Norte Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
  • Fios emaranhados no Setor de Rádio e TV Norte
    Fios emaranhados no Setor de Rádio e TV Norte Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
  • Acúmulo de dezenas de fios no Sudoeste
    Acúmulo de dezenas de fios no Sudoeste Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
  • Fiação emaranhada ao lado da Ponte do Bragueto
    Fiação emaranhada ao lado da Ponte do Bragueto Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
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postado em 16/12/2025 05:00 / atualizado em 16/12/2025 11:42
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