Fotografia

Exposição na Caixa Cultural faz panorama da fotografia baiana

Exposição Olhar Negro, Negro Olhar — Antologia da Fotografia Negra da Bahia reúne imagens de 23 fotógrafos sobre a presença negra e as heranças afro na cultura baiana

Foto de Miguel Rio Branco
 -  (crédito: Miguel Rio Branco)
Foto de Miguel Rio Branco - (crédito: Miguel Rio Branco)

O francês Pierre Verger foi uma espécie de disparador de uma história que começa com um olhar antropológico e termina com uma imersão que ajudou a moldar a história da fotografia na Bahia. Por isso, o curador, pesquisador e fotógrafo Marcelo Reis é tão enfático ao falar do fotógrafo quando descreve o conceito da exposição Olhar Negro, Negro Olhar — Antologia da Fotografia Negra da Bahia, em cartaz na Caixa Cultural. A mostra reúne imagens de 23 fotógrafos e faz um panorama da fotografia baiana nos séculos 20 e 21 com foco na história e na cultura negra. 

  • Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular

Uma das intenções da curadoria, expressa no título da mostra, é colocar lado a lado a produção de fotógrafos negros e  não negros para explorar como cada um, a partir dos respectivos contextos, se debruçam sobre o tema. "A exposição mostra a diferença do fotógrafo negro fotografando e do não negro fotografando o outro, mas com o mesmo olhar. O que você percebe de mudança é a expressividade dos temas, com alguns elementos mais conceituais, alguns elementos que vão destacar certas manifestações do povo negro", explica o curador. Bené Fonteles, que assina a curadoria com Marcelo, lembra que a exposição é também "a visão de fotógrafos brancos 'estrangeiros' sobre o povo e a cultura da Bahia" e o "negro olhar negro" de nomes como Adenor Gondim, Bauer Sá, Ayrson Heráclito, Alma Japa e Emanoel Saravá.

O projeto nasceu antes da pandemia, quando Marcelo trabalhava na edição de uma série de livros sobre a história da fotografia na Bahia. O conjunto foi dividido em períodos e no que o pesquisador chama de primeira, segunda e terceira geração de fotógrafos do estado. A exposição espelha os livros e a realidade baiana. Marcelo lembra que este é o estado com a maior concentração de negros do Brasil e seria natural haver uma produção fotográfica volumosa sobre a presença e a importância dessa cultura no estado. "Mas ninguém nunca se debruçou sobre pensar a produção de foto da Bahia a partir dessa conjuntura do olhar do fotógrafo negro", diz.

Nessa linha, o francês Pierre Verger é um ponto de partida, mas também de convergência. "Quando a gente observa essa produção, e isso a exposição vai mostrar, todos  se debruçam sobre a cultura negra, seja pela via do sagrado, da paisagem, do cotidiano. Isso é inaugurado, do ponto de vista de uma prática cultural, em Verger, quando ele chega na Bahia na década de 1940", explica. Verger vinha de muitas viagens ao redor do mundo quando desembarcou no Brasil. Encantado com a leitura do romance Jubiabá, de Jorge Amado,  ele mergulhou na cultura baiana e no estudo do universo afrobrasileiro. "E ele inaugura essa geração da fotografia da Bahia, a segunda geração. E inaugura a prática da rua, do homem negro, do corpo negro, da religiosidade africana, abre o caminho para repensar a Bahia a partir da fotografia", garante Marcelo. 

Para o pesquisador, Verger instaura um olhar fotográfico até então inédito. "Ele sugere essa Bahia que era praticamente invisível, sobretudo por serem pessoas negras. E começa a costurar toda essa estrutura visual que a gente poderia chamar uma identidade baiana por via da fotografia." O francês dá uma segurança para os fotógrafos passarem a pensar e a produzir com uma certa liberdade no sentido conceitual, com mais contundência e mais expressividade, segundo Marcelo. A partir de então, surge todo um grupo de nomes como Adenor Gondim, Bauer Sá, Mario Cravo Neto e Miguel Rio Branco, todos com registros na exposição da Caixa. "A gente percebe que os fotógrafos ora se assemelham bastante a essa identidade inaugurada em Verger, ora usam os elementos, o tempo e o espaço, os temas que Verger inaugurou, mas assumindo suas identidades, suas estéticas", avisa o curador.Bauer Sá, por exemplo, reproduz o discurso  que  enaltece o corpo negro, mas com outra estética, com imagens trabalhadas em estúdio e não na rua. Mario Cravo Neto, que também era escultor, leva para as imagens, muitas feitas em estúdio, o componente escultórico marcado por símbolos e iconografias afro-brasileiras. Miguel Rio Branco tem um caráter mais  documental, com registros impregnados de leitura pictórica. Eles fazem parte do que Marcelo considera a segunda geração de fotógrafos dedicados ao registro desse universo, profissionais que trabalharam, principalmente, até o final do século 20. 

A terceira geração, também presente na exposição, reúne fotógrafos que produziram a partir de 2001. Aqui entram nomes como o de Vinicius Xavier, autor de imagens que revelam a cultura muçulmana na Bahia. "Aí, começa a haver a abertura do olhar, não é mais somente o candomblé, mas outros corpos negros, com outras questões, como a religião muçulmana, que é outra referência", diz o curador, que reuniu acervos da Fundação Pierre Verger, do Instituto Mario Cravo Neto e de Voltaire Fraga, além das coleções dos próprios fotógrafos, para compor a exposição. 

Bené Fonteles explica, ainda, que a exposição reúne os olhares "atravessados pelo corpo e alma da Bahia". "São mais que imagens mágicas de uma Bahia mítica já decantada na literatura e nas canções de muito. A intenção foi 'transver' um povo que resiste a se entregar à cultura padronizada e normalizada pelas mídias, e transcender este corpo/alma para entrar em outra frequência cultural", diz. "E, acima de tudo, evidenciar o ser espiritual que da Bahia emana e que ainda alimenta com força e pluralidades o imaginário brasileiro e universal."

 


  • Foto de Pierre Verger
    Foto de Pierre Verger Foto: Pierre Verger
  • Foto de Pierre Verger
    Foto de Pierre Verger Foto: Pierre Verger
  • Animal tem tirado o sono dos vizinhos na região
    Animal tem tirado o sono dos vizinhos na região Foto: Miguel Rio Branco
  • Foto de Bauer sá
    Foto de Bauer sá Foto: Bauer sá
  • Google Discover Icon
postado em 11/08/2025 05:21
x