
Uma das atrações principais da edição de 2025 do Festival Coma, o rapper Don L é um dos nomes mais comentados da música brasileira em 2025. O burburinho vem do álbum Caro vapor II: qual a forma de pagamento?, lançamento mais recente do músico que é sucesso de público e de crítica e está sendo colocado como um dos álbuns de mais prestígio deste ano.
O trabalho é uma continuação da primeira mixtape do artista cearense, intitulada Caro vapor/ vida e veneno de Don L, e é a quarta obra mais longa lançada pelo cantor. Entre o primeiro e o segundo, Caro vapor, ele lançou também dois volumes do disco Roteiro pra Ainoüz.
Ele diferencia os estilos de disco em abrangência. Enquanto Caro vapor é sentimento, Roteiro para Ainoüz é uma narrativa específica. “Geralmente eu identifico o momento que eu estou vivendo e o que eu estou pensando para chegar no disco”, revela Don L, em entrevista ao Correio. O cantor acredita que o momento pedia que ele falasse mais abertamente sobre alguns assuntos. “O Caro vapor II é o que eu estou sentindo no momento. É com este título que vou ter mais liberdade criativa para fazer o que eu quero. É um disco mais abrangente”, explica.
“Esse disco é sobre o trabalho de se deixar ser instrumento do espírito do tempo mesmo. E do que você quer dizer pro mundo ali, do que que está rolando, do que você está vivendo e sentindo”, acredita Don, que trabalhou por muito tempo para chegar ao resultado final de 15 faixas e 55 minutos que, para ele, representa temática e sonoramente o que tem pensado sobre o Brasil nesses últimos tempos.
A ideia do disco é criticar os tempos atuais, apontar as consequências do imperialismo sob a cultura brasileira e, principalmente, questionar para o público quanto custam culturalmente as escolhas por números, métricas e por ser enxergado por uma música financeiramente dominante, mas que não tem nada de tão inédito em relação o que tem sido e já foi feito no Brasil. “Todo mundo está um pouco adoecido pelo sistema que a gente vive”, pondera.
A forma como ele aponta incoerências sociais virou o foco. Críticas a assuntos atuais como bets, à ostentação de bens materiais, às redes sociais, à inteligência artificial e aos bilionários estão entre os temas do disco. “Está toda hora todo mundo falando de uma vida inalcançável e todo mundo fica acessando através de um sonho que é pobre. Um sonho individual”, analisa o artista que se diz um pouco enjoado de só cantar sobre uma pessoa da favela vencer. “Eu já curti esse papo de falar que eu venci, mas ele meio que está velho. Tem 30 anos que o rap está nessa. Isso já foi dito muitas vezes”, revela.
Os termos populares entre os mais jovens como chamar prostitutas de "do job” ou referenciar a morte como “ir de arrasta” também foram alvos da ironia de Don L. Afinal, para ele, essas novas gírias são usadas em música em troca de aprovação de um público acostumado com conteúdo rápido e pasteurizado. “As pessoas estão anestesiadas. Então a noção é que o que faz sucesso é legal. Então a galera vê uma coisa com números e acha que é legal. Mas meio que ninguém aguenta, mais também esses papos. Porque é um papo que ninguém se identifica”, reflete.
A crítica é uma característica crucial no trabalho de Don L, mas o cantor sabe que não está fora da equação. “Às vezes, a chave vira na sua cabeça de se questionar sobre o que você está fazendo”, comenta o rapper, que não quer ficar com fama de "palestrinha”. “Eu tento muito evitar ser um rapper que fala muito para os rappers. É um discurso esvaziado sempre apontar o erro nos outros sem apontar nenhum caminho. Eu gosto do: 'vai lá e faz', porque eu faço”, desenvolve.
O resumo de tudo isso é a construção do disco com participações especiais de pessoas que Don L admira, como Giovanni Cidreira, Terra Preta, Luiza De Alexandre, Mc Dricka, Anelis Assumpção e Alice Caymmi, e acredita no trabalho para que ele possa fugir do formato que ele critica. “Eu estou muito nessa de querer fazer parte de um movimento maior. Acho que a próxima conversa é essa. A gente rotula tanto os nichos que acaba sem fazer parte de nenhum”, afirma o cantor. “A ideia é que a partir de agora se for pra subir, é pra subir de mão dada", completa.
- Leia também: Jessie J confirma show acústico no The Town 2025
O som do sul global
No entanto, todo questionamento de Don L começa na música que ele usa de base no disco, criada ao lado de Iuri Rio Branco e Nave. “Eu estava com essa ideia do que eu queria ali de sonoridade, de trabalhar com algo totalmente e inconfundivelmente Brasil, América Latina, sul global. Queria ser cada vez menos identificado com qualquer coisa que vem do norte”, conta o rapper. “Só com a escolha musical que eu decidi o que ia trazer discurso. Porque as duas coisas andam juntas. Não dá pra separar forma e conteúdo, isso são coisas que são inseparáveis, na verdade”, lembra
De referências e sopros do bossa jazz a batidas de tambores africanos, o artista construiu um som que não se baseia no que faz sucesso no rap ou na música estrangeira de qualquer forma. “Não queria usar as batidas gringas, não queria nada disso. A ideia era resgatar nossa cultura”, propõe.
Entretanto, não é a intenção do artista vender o Caro vapor II como uma invenção da roda, apenas como um intenso trabalho para fazer um rap verdadeiramente brasileiro. “Desde que eu comecei a fazer rap, eu já faço essa parada de trazer a música brasileira. Se você pegar minha mixtape lá de 2007 com Costa a Costa, já tem ali carimbó, tem samba, tem um sample da Marisa Monte. Agora está todo mundo, falando de sample. Eu tava fazendo lá atrás, o D2 fez antes ainda”, avalia.
O músico quer dar o exemplo, mostrar que é possível fazer algo original usando as referências como inspiração, sem copiar ninguém e ainda assim alcançar o sucesso, já que acumula milhões de reproduções do álbum novo nas plataformas de streaming. “Tudo hoje é isso de roube como um artista, nada se cria. Então, por isso que esses caras são tão pobres de discurso. É uma galera que não tem noção do que é arte de como é feita a arte. Aí acha que encontrou isso e agora entendeu, você não entendeu nada! Volte algumas casas”, clama Don L.
Diversão e Arte
Diversão e Arte
Diversão e Arte