PRIMEIRA INFÂNCIA

Licença-paternidade reforça vínculo e divide responsabilidade; veja o que muda

Projeto aprovado na Câmara amplia gradualmente o tempo de afastamento dos pais e reconhece o papel paterno no desenvolvimento da criança

Licença-paternidade, aprovada pela Câmara, reforça vínculo e divide responsabilidades. Servidor público,  Hélio é pai da Liz, de 4 anos, e do Lorenzo, de 1 mes.  -  (crédito: Arquivo Pessoal)
Licença-paternidade, aprovada pela Câmara, reforça vínculo e divide responsabilidades. Servidor público, Hélio é pai da Liz, de 4 anos, e do Lorenzo, de 1 mes. - (crédito: Arquivo Pessoal)

O Brasil pode estar prestes a viver a maior mudança em 37 anos na política de proteção à primeira infância. A Câmara dos Deputados aprovou, em 4 de novembro, o projeto que amplia gradualmente a licença-paternidade de 5 para 20 dias, um avanço considerado histórico. Desde a Constituição de 1988, o direito estava previsto, mas nunca havia sido regulamentado de forma ampla. A proposta foi encaminhada para votação no Senado.

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Pelo texto aprovado, a ampliação será gradual: passa de 5 para 10 dias em 2025, 15 dias em 2026 e chega a 20 dias a partir de 2027. Além disso, a proposta estabelece aumento de 1/3 do prazo quando a criança nascer com alguma deficiência, e define que o benefício poderá ser negado se o pai não comprovar convivência com o bebê ou se houver prática de violência doméstica e familiar.

Outra mudança importante é a proibição de exercer atividade remunerada durante o período da licença, reforçando que o afastamento deve ser voltado ao cuidado e à presença ativa na vida da criança. O texto ainda precisa passar pelo Senado e, se aprovado, segue para sanção presidencial.

O relator da proposta, deputado Pedro Campos (PSB-PE), celebrou a aprovação como um marco. “Desde a Constituição de 88 existia a previsão da licença-paternidade e há 37 anos o Congresso devia essa regulamentação. A ampliação para 20 dias é uma conquista histórica, fruto de consenso de quase todos os partidos. Esperamos que, no futuro, possamos discutir novas ampliações para 30, 45 ou 60 dias”, afirmou o parlamentar.

Importância para a infância

De acordo com o psicólogo Vitor Barros Rego, mestre em Psicologia Social do Trabalho e das Organizações pela Universidade de Brasília (UnB), a presença e o envolvimento do pai nos primeiros dias de vida têm impacto direto na saúde mental materna e no desenvolvimento infantil.

“Nos primeiros dias de vida, a responsabilidade pelo bebê é compartilhada. A mãe precisa se recuperar do parto e o pai deve participar ativamente: trocar fraldas, dar banho, acalmar o bebê, conversar com o pediatra e oferecer suporte emocional e prático. Isso reduz a sobrecarga e fortalece o vínculo familiar”, afirma Rego.

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Ele ressalta que a ciência do desenvolvimento infantil é categórica sobre os benefícios da presença paterna desde o nascimento. “O vínculo com o pai se inicia ainda no útero. O contato corporal entre o bebê e o pai tem função estruturante para o desenvolvimento psíquico. O pai é o terceiro imprescindível, que ajuda a criança a ingressar no mundo social e simbólico”.

Para o especialista, a ampliação da licença-paternidade é também uma política de saúde mental. “A presença do pai reduz o risco de depressão e ansiedade pós-parto, aumenta a satisfação conjugal e melhora o status emocional da família. É um investimento na infância e na saúde pública”, afirma.

“Transformar o cuidado em dever compartilhado exige romper com a masculinidade tradicional e reconhecer o cuidado como trabalho de valor. O dever de cuidar é do homem na mesma medida em que é da mulher”, defende Vitor, ao enfatizar que a ideia de “ajuda” deve ser substituída pela noção de corresponsabilidade.

Exemplo na prática

O servidor público Hélio Silveira, 42 anos, viveu recentemente uma rotina que exemplifica a importância da presença paterna nos primeiros dias de vida do bebê. Pai de Liz, de 4 anos, e Lorenzo, de 1 mês, ele acompanhou o nascimento do caçula em um momento delicado, quando a esposa se recuperava de uma fratura no pé.

“Minha esposa passou os últimos dois meses de gestação em repouso por conta de uma fratura no pé. Não podia andar. Quando nosso filho nasceu, ela estava iniciando o tratamento de reabilitação. Já estava conseguindo andar com limitações. Então conseguimos conciliar o tratamento dela com os cuidados do nosso filho”, relata.

Durante o período de licença, Hélio conseguiu se afastar do trabalho para estar integralmente com a família. “Como servidor público, tenho a licença paternidade de 20 dias. Nesse período, consegui ficar em casa para ajudar nos cuidados do bebê e de minha esposa, assim como nos cuidados de nossa filha mais velha. Após o período de licença, tive bastante apoio de minha chefia para a manutenção dos cuidados. É um período de pouco tempo para sono, muita correria e um esforço contínuo para estar presente onde mais importa”, contou Hélio.

Os servidores públicos federais já têm direito à licença-paternidade de 20 dias, sendo 5 dias (o prazo constitucional), mais 15 dias de prorrogação, mediante requerimento em até dois dias úteis após o nascimento ou adoção.

Ele afirma que a experiência transformou sua percepção sobre o papel paterno. “Esses primeiros dias ensinam muito sobre o papel do pai. Não se trata apenas de ajudar. É assumir responsabilidades de forma integral, estar atento às necessidades da mãe e do bebê, e participar ativamente da recuperação física e emocional da minha esposa. O mais evidente é como essa presença constante fortalece nosso vínculo familiar. Estar ali, todos os dias, me faz entender o valor do cuidado compartilhado”, expressa o pai.

Para Hélio, a atual licença de apenas cinco dias é insuficiente diante da complexidade do pós-parto. “A chegada de um filho transforma completamente a dinâmica familiar, e o pai precisa de tempo para se adaptar, apoiar a mãe e criar laços com o bebê. Se o pai puder ficar mais tempo, a família ganha em equilíbrio, afeto e saúde emocional”.

 

  • Licença-paternidade, aprovada pela Câmara, reforça vínculo e divide responsabilidades.
    Licença-paternidade, aprovada pela Câmara, reforça vínculo e divide responsabilidades. Arquivo Pessoal
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    Licença-paternidade, aprovada pela Câmara, reforça vínculo e divide responsabilidades. Arquivo Pessoal
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  • Licença-paternidade, aprovada pela Câmara, reforça vínculo e divide responsabilidades.
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  • Licença-paternidade, aprovada pela Câmara, reforça vínculo e divide responsabilidades.
    Licença-paternidade, aprovada pela Câmara, reforça vínculo e divide responsabilidades. Arquivo Pessoal

Além de aprender sobre o bebê, ele conta que o período trouxe novos desafios na relação com a filha mais velha. “Agora, eu aprendi o quanto é complicado lidar com a filha mais velha que acaba sentindo muito a chegada do irmão e se vê perdendo espaço e atenção. Atenção essa que nós não podemos deixar de dar. Temos que nos desdobrar para dar conta de tudo”.

Hélio avalia que a proposta aprovada pela Câmara representa um avanço, mas defende que o ideal seria um prazo maior. “Acredito que 20 dias já representam um avanço importante, mas ainda insuficiente. A versão inicial de 30 dias seria mais adequada, pois permitiria ao pai acompanhar de forma mais completa os primeiros momentos do bebê e apoiar a mãe em sua recuperação. A ampliação da licença certamente favorece o vínculo e o afeto entre pai e filho, além de contribuir para uma divisão mais justa das responsabilidades familiares”.

O debate sobre a ampliação da licença-paternidade ganha força num contexto em que o país discute a Política Nacional de Cuidados e a redistribuição das tarefas familiares. Para especialistas, reconhecer o cuidado como trabalho é passo essencial para a igualdade de gênero e para a proteção da infância.

“Em alguns países europeus, o cuidado já é reconhecido como tempo de contribuição previdenciária. O Brasil precisa avançar para entender que ser produtivo e cuidar de alguém não são papéis opostos, mas complementares”, reforça o psicólogo.

Quem paga pela licença e como funciona o custeio

Assim como a licença-maternidade, a licença-paternidade é custeada pela Previdência Social, via INSS. O empregador não arca com custo direto pelo período de afastamento, e o trabalhador segue recebendo seu salário normalmente.

O modelo evita penalizar empresas e reduz o risco de demissões ou resistência à contratação de homens em idade reprodutiva. O projeto também reforça que, durante o período de licença, o pai não pode exercer outra atividade remunerada, sob pena de perder o benefício. A proibição busca garantir que o tempo seja dedicado exclusivamente aos cuidados com o bebê e ao suporte à puérpera.

A medida integra o eixo de proteção da Política Nacional de Cuidados, aprovada recentemente, que reconhece o cuidado como um trabalho socialmente essencial e com impacto direto no desenvolvimento infantil e na saúde mental das famílias.

Perda do benefício em casos de omissão ou violência

O texto aprovado também prevê que o pai poderá perder o direito à licença caso não comprove convivência com a mãe ou participação ativa no cuidado, ou haja prática de violência doméstica e familiar, incluindo violência psicológica. A regra atende a recomendações de entidades de infância e de proteção à mulher, e segue o entendimento de que políticas de cuidado não podem reforçar contextos abusivos ou inseguros.

Para o psicólogo Vitor Barros Rego, a previsão tem justificativa clínica e social: “quando o pai é omisso ou violento, o risco à saúde mental da mãe e da criança se eleva. Não é apenas ausência, é comportamento hostil que pode desestruturar o desenvolvimento emocional. Toda política de cuidado precisa estar alinhada à proteção integral.”

Segundo ele, a medida também ajuda a evitar a romantização de paternidades ausentes ou o uso da licença para trabalho informal, prática comum em famílias com pouca rede de apoio e marcada por desigualdades estruturais.

Debate econômico

A ampliação ocorre de forma gradual, permitindo adaptação fiscal e administrativa. Em paralelo, técnicos do governo afirmam que políticas de cuidado têm efeito multiplicador na economia, ao reduzir custos em saúde mental materno-infantil, vasão feminina do mercado de trabalho, e índices de adoecimento relacionados à sobrecarga doméstica.

 

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JA
postado em 12/11/2025 08:15
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