
A aprovação do PL da Dosimetria (Projeto de Lei 2.162/23) beneficia não somente o ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado a 27 anos de prisão, mas, também, um conjunto de condenados por crimes graves. Isso porque, hoje, réus primários condenados por crimes sem violência à pessoa ou grave ameaça podem progredir depois do cumprimento de 16% da pena. Quando há violência, o percentual sobe para 25%. Mas o substitutivo aprovado pela Câmara dos Deputados, e que já tramina no Senado, altera esse marco ao permitir progressão com apenas 1/6 da pena para uma gama maior de delitos, incluindo crimes violentos que não se enquadram nos títulos de crimes contra a pessoa e o patrimônio, nem na Lei de Crimes Hediondos.
O PL foi aprovado na Câmara dos Deputados por 291 x 148, votado depois de um acordo entre o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), e dois caciques do Centrão — os presidentes do PP, senador Ciro Nogueira (PI), e do União Brasil, Antônio Rueda —, por conta da hipótese de retirada da pré-candidatura presidencial do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). A negociação previa a desistência do filho 01 em favor da possibilidade de o governador Tarcisío de Freitas (Republicanos), de São Paulo, ser o nome da direita na corrida ao Palácio do Planalto — segundo as pesquisas, ele tem mais chances de uma disputa equilibrada contra a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Como contrapartida, o clã Bolsonaro receberia a redução da pena do ex-presidente e de outros condenados na trama golpista.
Especialistas apontam que o impacto mais amplo recai sobre crimes violentos contra a administração pública, crimes contra o Estado e crimes econômicos. Réus por lavagem de dinheiro, coação no curso do processo e atentados contra serviços públicos, por exemplo, poderão atingir percentuais menores para progressão.
A criminalista Ana Paula Correia explicou que o PL cria um tratamento específico para manifestantes que não lideraram ou financiaram os atos do 8 de Janeiro. "O projeto cria uma saída jurídica específica: a redução de pena pela 'ação em contexto de multidão'. Em tese, eles terão suas penas reduzidas de um terço a dois terços. Além disso, a pena-base cairia porque o projeto proíbe somar as condenações", explica.
Segundo ela, as reduções podem ser significativas. Ou seja: na prática, quem foi condenado a 14 ou a 17 anos poderá ter a pena reduzida para cerca de quatro anos. "O texto acaba permitindo a mudança quase imediata para o regime aberto ou para prisão domiciliar", adverte.
O texto também cria o artigo 359-M-A, que altera o cálculo das penas quando dois crimes são cometidos no mesmo contexto. Em vez de somar as penas, aplica-se apenas a mais grave com acréscimo. Essa mudança reduz substancialmente condenações relacionadas ao 8 de Janeiro.
Para o constitucionalista Luiz Gustavo Cunha, o impacto do PL ultrapassa os casos de grande repercussão. Segundo ele, a proposta alcança um universo maior de condenados por crimes graves. "O que aconteceu com essa questão da dosimetria é que ela atinge a forma de cálculo dessa pena. Extingue a soma de penas para crimes cumulativos. Por exemplo: Bolsonaro foi condenado por tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Seria somente um crime, o outro seria absorvido", esclarece.
Cunha também detalha a mudança na progressão de regime, que torna-se mais branda, já que altera a Lei de Execuções Penais e a progressão do regime fechado para o semiaberto passa a ocorrer com um sexto da pena. "Isso significa que, mesmo condenados por crimes graves, poderão progredir de regime mais cedo", alerta.
Hediondos
Ana Paula reforça que o texto aprovado não altera a Lei de Crimes Hediondos. Condenados por estupro, homicídio qualificado ou latrocínio continuam obrigados a cumprir de 40% a 70% da pena. Ela explica que a flexibilização ocorre em outro grupo de delitos. "Existe um reflexo para os presos comuns, mas de maneira mais limitada. De acordo com o projeto, passaria a existir uma restrição da exigência de cumprimento de percentuais mais altos (25% e 30%) apenas para crimes violentos previstos nos Títulos I e II. Isso significa que aqueles que cometeram crimes violentos fora desses títulos terão a progressão reduzida para 16% ou 20%. Hoje, por serem violentos, precisariam cumprir 25% ou 30%", afirma.
A advogada também aponta consequências estruturais. "Ao limitar as regras mais duras apenas aos Títulos I e II, o projeto diz, na prática, que a violência empregada contra o Estado (Título XII) é 'menos grave' para fins de progressão de regime do que a violência de um assalto comum. É uma estrutura desenhada para beneficiar um grupo específico, o que pode ser questionado no Supremo Tribunal Federal por violação ao princípio da isonomia", observa.
Cunha, por sua vez, acredita que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve vetar os trechos mais polêmicos. "Do ponto de vista jurídico, creio que o presidente vai vetar a parte dos crimes comuns. É um sentimento que tenho. Ouvi até que ele pode ampliar o indulto de Natal para os presos do 8 de Janeiro", diz.
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