
Em um cenário em que a busca pelo corpo ideal e por uma vida saudável nunca esteve tão em alta, o mundo fitness se tornou um universo vasto e, muitas vezes, confuso. Com a proliferação de informações nas redes sociais, somos bombardeados diariamente com "receitas milagrosas", treinos "express" e dietas restritivas que prometem resultados rápidos e impressionantes. Mas será que tudo o que vemos on-line é realmente verdade? Ou estamos sendo vítimas de uma enxurrada de mitos que, além de ineficazes, podem ser prejudiciais à saúde? Diante disso, desvendar o que é fato e o que é ficção se torna parte da rotina de quem quer levar uma vida mais saudável, sem mergulhar em tendências.
A primeira coisa a se entender para evitar cair em armadilhas é que não existem alimentos ou treinos milagrosos que, sozinhos, trazem resultados. A saúde e a boa forma dependem de constância, equilíbrio e paciência. Não é necessário cortar totalmente um alimento, ou viver totalmente de salada. Dieta balanceada, treino adequado e sono de qualidade são os pilares mais poderosos.
Verdade ou falso?
Algumas receitas e dietas milagrosas já são muito conhecidas. É o caso da velha história de que comer carboidratos depois das 10 da noite engorda, mas ao contrário da crença comum, não existe horário para consumir ou não carboidratos. A nutricionista do Hospital Santa Lucia Cynara Oliveira explica que o importante é a qualidade e quantidade total ao longo do dia e como eles se encaixam nas necessidades energéticas e na rotina. "A ideia de que eliminá-los à noite ajuda a emagrecer é um mito; o ganho de peso está relacionado ao excesso de calorias totais, e não ao horário de ingestão de um macronutriente específico. Carboidratos são importantes para a energia, inclusive para um bom sono", detalha.
Outro mito velho conhecido é o suco detox. Nosso corpo já possui órgãos, o fígado e os rins, altamente eficientes em eliminar toxinas. Essas dietas tendem a ser muito restritivas, podendo levar à deficiência de nutrientes e de hidratação. Uma alimentação equilibrada e variada é o melhor detox que existe.
O jejum intermitente, embora tenha se popularizado mais recentemente, é uma prática antiga, que pode, sim, ser eficaz para a perda de peso e a saúde metabólica, mas não para todos. Ele ajuda a reduzir a ingestão calórica, mas pode levar à falta de nutrientes se não for bem planejado, assim como à desregulação hormonal em mulheres, à queda de energia, à irritabilidade e até a transtornos alimentares em casos extremos. É crucial ter acompanhamento profissional para garantir que seja seguro e adequado para você.
Cynara também conta que o hábito bastante conhecido de comer de três em três horas não é realmente necessário para a maioria das pessoas — o que realmente importa é a ingestão calórica e nutricional ao longo do dia. "Para algumas pessoas, fracionar as refeições pode ajudar no controle da fome e na gestão do açúcar no sangue, mas, para outras, comer menos vezes pode ser mais adequado. O importante é escutar seu corpo e suas necessidades individuais", emsina.
Açúcar, gordura, fibras e digestão
O açúcar e a gordura são os conhecidos grandes vilões da dieta, mas Cynara explica que não é bem assim. Tanto a gordura quanto o açúcar, e os carboidratos refinados, podem, sim, contribuir para o ganho de peso se consumidos em excesso. A solução, porém, não é demonizar um ou outro, mas, sim, o balanço calórico total e a qualidade nutricional da dieta. "Gorduras saudáveis, como azeite e abacate, são essenciais, enquanto o açúcar em excesso é caloricamente denso e pobre em nutrientes, devendo ser consumido com moderação. O foco deve ser em alimentos integrais e naturais, e não tornar os macronutrientes vilões", diz.
Uma alimentação rica em fibras é uma grande vantagem. As fibras presentes em frutas, vegetais, grãos e leguminosas promovem saciedade, pois retardam o esvaziamento gástrico, e contribuem para o bom funcionamento intestinal e o controle dos níveis de açúcar no sangue, o que auxilia na perda de peso.
Além das fibras, alguns grupos de alimentos são essenciais para a digestão. Os probióticos, como o iogurte natural, os alimentos ricos em água, como pepino melancia e alface; frutas como mamão e abacaxi, que contêm enzimas digestivas naturais, e gengibre e hortelã, que podem aliviar náuseas e desconfortos digestivos.
Limão, beterraba, cenoura e chia
Alguns alimentos têm fama própria, merecida ou não, e diversas receitas circulam pelas redes sociais, como a água com limão, em jejum ou ao acordar. De fato, a combinação pode trazer benefícios para a digestão e a hidratação, especialmente se você gosta do sabor e isso te ajuda a beber mais água. No entanto, não é uma cura milagrosa, e é fundamental considerar a saúde digestiva individual antes de adotar a prática, especialmente se tiver alguma condição preexistente. "Não há evidências científicas de que detoxifica o corpo ou acelera o metabolismo de forma significativa. É uma forma agradável de começar o dia hidratado, e fornece uma pequena dose de vitamina C, mas não substitui uma alimentação equilibrada", conta a nutricionista.
A beterraba, com sua cor bonita, tem a fama de auxiliar na anemia. Por conter ferro, embora em menor quantidade e com menor biodisponibilidade que o ferro de origem animal, pode, sim, ajudar a combater a deficiência, mas não é uma solução única. A beterraba é rica em vitamina C, o que melhora a absorção do ferro presente em outros alimentos. Para casos da falta do nutriente, o tratamento deve ser acompanhado por um profissional de saúde, que indicará a melhor estratégia alimentar e, se necessário, a suplementação.
Já a cenoura vem aparecendo bastante na internet em receitas milagrosas de saladas de retinol puro, conhecido pelos benefícios no combate ao envelhecimento da pele, estimulando a renovação celular e a produção de colágeno. A cenoura é rica em betacaroteno, um pigmento que o corpo converte em vitamina A, de onde é derivado o retinol, conforme a necessidade. É uma fonte segura e natural, excelente para a saúde da visão e da pele, mas não é a mesma coisa que consumir a vitamina A já em sua forma ativa.
A semente de chia é outra famosa que merece a atenção, sendo uma ótima adição à dieta. A chia é rica em fibras, ajudando na saciedade, na saúde intestinal e no controle de açúcar no sangue. Além disso, essa semente contém ômega-3, proteínas e diversos minerais. Suas vantagens estão principalmente relacionadas ao perfil nutricional.
Shot anti-inflamatório
Uma tendência nas redes é desinflamar o intestino. Essa técnica melhora a digestão, a absorção de nutrientes, a imunidade e até o humor. Os vídeos curtos no TikTok ensinam receitas de "shots anti-inflamatório", que, geralmente, contêm ingredientes como cúrcuma, gengibre e limão. Esses shots podem ser um complemento interessante para uma dieta equilibrada, fornecendo uma concentração maior desses compostos bioativos. No entanto, não são uma solução mágica e não substituem uma alimentação e um estilo de vida saudáveis como base para reduzir a inflamação crônica. Cynara ensina que, para desinflamar o intestino, é importante uma dieta rica em fibras, prebióticos (cebola, alho, banana verde) e probióticos (iogurte, kefir, kombucha), além de reduzir alimentos processados, açúcar e gorduras saturadas.
Proteína e suplementos
Quem já frequenta a academia há muito tempo ou tem como meta o ganho de massa muscular já ouviu dizer que é crucial consumir proteínas imediatamente após o treino. Apesar do que se acreditava há alguns anos, esse período de construção muscular não é rígido. O nutricionista Guilherme Lopes, do Grupo Mantevida, conta que estudos mais recentes mostram que, desde que a ingestão proteica total do dia esteja adequada, o momento exato do consumo não é tão determinante. Ainda assim, consumir proteína após o treino ajuda a otimizar a síntese protéica, especialmente se o treino for intenso ou realizado em jejum. "O ideal é consumir uma refeição com proteínas e carboidratos até duas horas após o exercício, mas não há necessidade de pressa imediata para a maioria das pessoas", detalha.
O uso de suplementos vem crescendo no mundo fitness, mas precisam de cautela e supervisão. Guilherme explica que entre os suplementos com maior respaldo científico estão a creatina, a proteína isolada, como o whey protein, e a cafeína, que são eficazes dentro de um plano alimentar bem estruturado. Já suplementos como BCAA são frequentemente superestimados, já que quem consome proteína suficiente na dieta dificilmente precisa dele. Outros, como queimadores de gordura ou substâncias termogênicas com altas doses de estimulantes, podem ser perigosos, especialmente para pessoas com problemas cardíacos, pressão alta ou ansiedade. Ou seja, consumir esse tipo de suplemento sem recomendação médica pode fazer mais mal do que bem.
Cardio em jejum e hidratação
Outra técnica bastante difundida no treino é o cardio em jejum, conhecido por queimar mais gordura. De fato, pode aumentar momentaneamente a queima de gordura como substrato energético, mas isso não significa maior perda de gordura corporal no longo prazo. Guilherme conta que a segurança e a eficácia dessa prática dependem do perfil da pessoa. "Para indivíduos saudáveis, pode ser uma opção ocasional. Já para quem tem hipoglicemia, pressão baixa ou está começando a treinar, pode ser arriscado e causar tonturas ou mal-estar. O mais importante para a perda de gordura é o balanço energético total e a constância nos treinos", diz.
Já a hidratação durante os treinos, é fundamental para a manutenção da performance física, regulação da temperatura corporal e transporte de nutrientes. A perda de apenas 1% a 2% da água corporal já pode comprometer o rendimento. A recomendação média é ingerir entre 400ml e 800ml de água por hora de exercício, ajustando conforme intensidade, o clima e a sudorese individual. A sede já é um sinal tardio de desidratação, por isso é ideal se hidratar de forma preventiva e contínua.
Reeducação alimentar e dietas restritivas
Duas técnicas também bastante divulgadas são a reeducação alimentar e as dietas restritivas, que vistas lado a lado parecem similares, mas com eventos diferentes. A reeducação promove mudanças gradativas, sustentáveis e personalizadas na forma de comer, com foco na saúde e no comportamento alimentar. Já as dietas restritivas geralmente excluem grupos alimentares, reduzem calorias de forma extrema e não são sustentáveis a longo prazo. A reeducação ensina a comer melhor, respeitando preferências e cultura alimentar, enquanto as dietas restritivas tendem a gerar efeito sanfona e desconforto emocional.
Para quem busca um estilo de vida mais saudável e quer resultados duradouros, sem cair em modismos, Guilherme diz que é necessário priorizar o básico bem-feito: comida natural, hidratação e sono. Além disso, respeitar sua individualidade, evitando copiar dietas da internet ou de outras pessoas e buscar ajuda profissional, não para seguir regras rígidas, mas para aprender a tomar decisões conscientes sobre o que consome. "Quando a alimentação vira aliada — e não inimiga —, o resultado vem de forma mais leve e duradoura", ressalta o nutricionista.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte