Tragédia

Incêndio expõe falhas e desafios no tratamento de dependentes químicos

Famílias que convivem com dependentes químicos recorrem a tratamentos que, muitas vezes, não oferecem uma abordagem eficiente. Especialista explica perigos das clínicas clandestinas

A Comunidade Terapêutica Liberte-se, onde ocorreu o incêndio que matou cinco pessoas e 11 estão internadas, é um instituto especializado em tratamento de dependentes químicos. Lá, os pacientes podem permanecer por, no máximo, seis meses e pagam mensalidade de um salário mínimo. Segundo informações apuradas pelo Correio, a organização possui três unidades, sendo duas no Paranoá e outra em Sobradinho. Ao Correio, a A Secretaria DF Legal informou que a clínica ostentava licença de funcionamento válida e regular, desde a última vistoria fiscal realizada.

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A tragédia reacende a discussão sobre os tratamentos oferecidos pelas clínicas de reabilitação. A psiquiatra Helena Moura, alerta que alguns espaços podem oferecer sérios riscos aos internos. "Os pacientes podem ser submetidos a condições degradantes, como trabalho escravo disfarçado de terapia ocupacional, ou, até mesmo, sofrer abusos físicos. Como grande parte dessas comunidades se instala em áreas isoladas e, em muitos casos, restringe a comunicação dos internos com seus familiares, as chances de violações aumentam", explica.

Na visão da médica, o principal desafio das famílias ao buscar uma clínica adequada e segura é justamente a falta de locais que ofereçam esse tipo de abordagem integrada. "No DF, com exceção do Hospital de Base e do Hospital Universitário de Brasília, que contam com estrutura clínica e psiquiátrica, a maioria das instituições atua de forma fragmentada", afirma. 

Para a especialista, a proliferação de clínicas clandestinas ocorre pela falta de oferta adequada de tratamento. "Nesse cenário, muitas vezes, pessoas — em geral ex-usuários de drogas ou líderes religiosos — tentam ajudar, de forma genuína, suprir essa carência com os recursos disponíveis", ressaltou.

Dia a dia 

Daniel Gonçalves está há pouco mais de cinco meses no instituto, procurou ajuda por vontade própria. "Eu tinha acabado com tudo, estava muito viciado e em uma situação degradável na rua, precisava de ajuda", comenta. O interno conta que o dia é dividido em várias tarefas. Pela manhã, os moradores tomam café, seguem para um momento de espiritualidade e depois realizam a laborterapia — abordagem terapêutica que utiliza atividades para reabilitação de indivíduos. "Depois tomamos banho, almoçamos, descansamos até umas 14h e participamos de reuniões e palestras", revela.

Parte da rotina dos internos é voltada para espiritualidade e reconexão com a religião. O local une os princípios cristão com os cuidados terapêuticos. Letícia Peres, líder do IDE Social, projeto de igreja localizada no Condomínio Solar de Brasília, conta que eles fazem um trabalho de evangelização com o grupo. "Nós ministramos a palavra, trazemos alimentos e falamos sobre a volta da vida digna sem drogas", comenta. 

Helena Moura explica que a demanda desse público é complexa, já que mais da metade dos casos envolve alguma comorbidade psiquiátrica, muitas vezes grave, e condições clínicas associadas. "Isso exige que a clínica tenha uma boa estrutura para lidar tanto com sintomas psiquiátricos quanto com problemas clínicos graves, além da própria dependência. Chamamos esse modelo de tratamento integrado, que é o que apresenta maior evidência científica de eficácia", ressalta a especialista.

Luís Nascimento, 57 anos, é alcoolista e está na instituição há quatro meses. O interno conta que alguns dos trabalhadores do local são ex-pacientes, mas que a equipe de segurança é falha. "Não foram treinados, houve fuga, sempre há fuga. E eles vão à captura quando a família solicita", relata. "Em termos de atendimento, há atos falhos da gestão, deixou muito a desejar, muita ignorância, muita prepotência", comenta. 

A psiquiatra também afirma que o contato constante com a família é fundamental.  "Muitas famílias se sentem preocupadas e inseguras, em especial quando não podem manter contato. Quando percebem algum tipo de abuso, se sentem culpados e até deprimidos", explica. 

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