
A maior concentração de pessoas em situação de rua no Distrito Federal fica no Plano Piloto. Segundo o Censo Distrital da População em Situação de Rua do DF, produzido pelo Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF) e divulgado neste ano, há 897 pessoas em situação de rua no Plano Piloto, o que representa 25,5% desta população. O censo anterior, divulgado em 2022, contabilizava 728 pessoas em situação de rua na região. De acordo com especialistas ouvidos pelo Correio, o aumento reflete a necessidade de políticas públicas mais efetivas e de uma abordagem multidisciplinar. O Governo do Distrito Federal (GDF) tem intensificado ações de acolhimento e implementado políticas inéditas, como o Hotel Social.
"O Plano Piloto possui grande circulação de pessoas, comércio e serviços estabelecidos e, em decorrência, oportunidades de atividades de trabalho, como catação de recicláveis, vigia de carros e outros pequenos serviços. Esses fatores favorecem o aumento da concentração de pessoas em situação de rua, pois representam oportunidades para a garantia da manutenção da vida dessas pessoas", explicou a assistente social, doutora em antropologia social e especialista em direitos humanos Izis Morais.
Prefeita comunitária da 713 Norte, Crystyna Lessa afirma que a grande quantidade de pessoas em situação de rua na região aumenta a insegurança e a preocupação entre moradores, comerciantes e trabalhadores. "Nos grupos das Redes de Vizinhos Protegidos da Polícia Militar (PMDF), multiplicam-se os relatos de invasões a residências, furtos em comércios, em pontos de ônibus e até de hidrômetros. Boa parte dessas ocorrências têm sido associadas a pessoas em situação de rua, envolvidas com o consumo e o tráfico de drogas, uma realidade que escancara o abandono social e a ausência de políticas públicas eficazes para lidar com o problema", relatou.
A administradora e vice-presidente da Associação Amo 706/707 Norte, Vanda Silva, relata medo ao chegar ou sair de casa. "Moro há 20 anos na Asa Norte e a situação nunca esteve tão crítica. Acolher a população de rua e oferecer ajuda não é suficiente. São necessárias ações mais estratégicas. Infelizmente, muitos deles não querem receber ajuda. A quantidade de gente nessa situação só tem aumentado. O que queremos são ações efetivas para resolver o problema de forma permanente", disse.
Desafios
Outro problema apontado por moradores é o vício em drogas, que atinge uma parte das pessoas em situação de rua. "Muitos se aproveitam da sensação de poder causada pela droga para cometer delitos. Essas pessoas têm ficado cada vez mais próximas aos pilotis e praticado furtos e abordagens agressivas. Então, a situação tem piorado", contou a servidora pública e presidente da Associação Amo Noroeste, Taís Bueno.
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Para a especialista Izis Morais, as políticas públicas devem focar no acolhimento de pessoas com vícios como álcool e drogas. "Há problemas nos serviços de saúde mental que atendem usuários de álcool e drogas. Isso se reflete, inclusive, em graves situações de violações de direitos, como ampliação de comunidades terapêuticas como se fossem substitutivas de serviços especializados", afirmou a assistente social. "A política de habitação também precisa contemplar a população de baixíssima renda, o que, hoje, não acontece", acrescentou.
O Plano Piloto possui somente um Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop). A especialista avalia que é preciso implementar mais unidades. "O que existe está estrangulado, com capacidade operacional menor do que a quantidade de pessoas atendidas. Além disso, há baixa implementação da política de assistência social no que se chama de 'média complexidade' — os Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), que é o serviço assistencial responsável por acompanhar as pessoas em processo de saída das ruas. O DF só conta com 14 unidades", assinalou Izis Morais.
Morador da 710 Norte, o empresário Guilherme Melo demonstra preocupação com a invasão que existe na Quadra 908. "O GDF faz operações de acolhimento por lá, mas o pessoal fica aguardando no meio-fio até a operação ser finalizada e volta para o mesmo lugar. Houve um aumento considerável de pessoas em situação de rua na Asa Norte. Muitas pessoas com vício em drogas cometem furtos para trocar por droga. Eu acho que o governo precisa reforçar as ações", opinou.
Plano Distrital
Implementado em maio deste ano, o Plano Distrital para a População de Rua tem como objetivo ofertar acolhimento, atendimentos, benefícios e encaminhamento para as diversas políticas públicas do GDF, como capacitação, emprego, renda, saúde, habitação, entre outros.
"Assinamos acordo de cooperação técnica com o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), com o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e com a Defensoria Pública (DPDF). A política pública está voltada para o acolhimento e a capacitação profissional, para que a pessoa tenha condições de sair da situação de rua", detalhou o secretário da Casa Civil do DF, Gustavo Rocha. "Para isso, foram criados ciclos do Renova DF e do Capacita DF voltados a essa população. Foram reservados 2% de vagas de obras e de serviços públicos para essas pessoas. Só no Serviço de Limpeza Urbana (SLU), temos quase 90 pessoas trabalhando", completou.
Segundo Rocha, o aumento do número de pessoas em situação de rua não ocorre somente no DF. "O aumento é um fenômeno mundial. No DF, em razão das políticas públicas desenvolvidas, o aumento foi proporcionalmente bem inferior ao das demais regiões do Brasil", destacou.
Como parte do que foi estabelecido no plano, o GDF inaugurou, em julho deste ano, o primeiro Hotel Social. De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes-DF), o hotel atendeu 16.036 pessoas entre 23 de julho e 30 de setembro. "Importante destacar que esse número representa a quantidade de atendimentos realizados e não o total de pessoas atendidas, já que algumas retornam em mais de um dia", esclareceu a pasta.
"O hotel tem um grande diferencial. É o único no país que acolhe as pessoas em situação de rua e seus animais de estimação, que muitas vezes são a única companhia que eles têm", ressaltou Gustavo Rocha.
Presidente do Instituto Barba na Rua, que trabalha em favor das pessoas em situação de rua, Rogério Barba elogiou a implementação do Hotel Social. “É um lugar, acima de tudo, de escuta da população em situação de rua. Lá, conseguimos ouvir individualmente as demandas de cada um”, destacou.
Rogério Barba acredita, entretanto, que são necessárias ações “mais concretas” dentro do plano distrital. “Falta o GDF chamar representantes da população em situação de rua para discutir esse plano junto”, sugeriu. “Eles estão limpando quadra, mas falta mais estrutura para acolher pessoas com problema de droga e álcool”, complementou.
Barba explica que os três principais problemas das pessoas em situação de rua são o desemprego, a saúde mental e a dependência química. “É preciso, urgentemente, abrir mais vagas em comunidades terapêuticas. Percorro as ruas do DF todos os dias e, diariamente, encontro entre cinco e dez dependentes químicos que querem se tratar”, compartilhou.
Acolhimento
Em 2025, o GDF realizou 130 ações integradas de acolhimento à população em situação de rua no Plano Piloto. A ação, implementada em junho de 2024, faz parte do plano distrital e consiste em uma abordagem multidisciplinar que agrega a Sedes, a Secretaria de Saúde, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Renda (Sedet), a Secretaria de Proteção da Ordem Urbanística (DF Legal), a Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus), além das polícias Militar e Civil, Conselho Tutelar e outros órgãos, como Novacap e Serviço de Limpeza Urbana (SLU).
Nesta terça-feira (14/10), o Governo do Distrito Federal (GDF) promove uma ação de acolhimento e assistência social a pessoas em situação de rua em cinco endereços da Asa Norte. Serão realizadas abordagens sociais e atendimentos prévios nos locais, mapeando o público a ser atendido e suas demandas.
As pessoas em situação de rua terão acesso a diversos serviços nas áreas de saúde, educação e assistência social, além de orientações sobre cuidados com animais domésticos e benefícios como deslocamento interestadual. Também será oferecido um auxílio excepcional de R$ 600 para aqueles sem condições de arcar com aluguel. Vagas em abrigos, programas de qualificação profissional — como o RenovaDF — e o cadastro para unidades habitacionais estarão disponíveis.
Pontos de ação:
• 601 Norte
• Via N4 Leste, SGAN 601
• SGAN 607, L3 Norte
• SGAN 610, L3 Norte
• 611/612, L3 Norte
População de rua nas principais cidades do DF
Quantidade Proporção
Plano Piloto 897 25,5%
Ceilândia 549 20,4%
Taguatinga 183 8,7%
São Sebastião 62 7,2%
Planaltina 65 4%
Águas Claras 22 3,8%
*Fonte: IPEDF
Palavra de especialista
Abordagem interdisciplinar
Por Erci Ribeiro, especialista em políticas sociais e mestre em psicologia
A concentração de pessoas em situação de rua no Plano Piloto se deve à grande circulação nessa região. Quanto maior a circulação, maior a possibilidade de as pessoas em situação de rua terem algum tipo de acolhida, atenção ou formas de ganho para suprir suas necessidades imediatas.
Para acolhê-las, é preciso uma abordagem interdisciplinar e intersetorial que inclua questões como assistência, moradia, trabalho e saúde. A urgência está nessa atenção.
Durante o trabalho de acolhimento, é necessário que as equipes entendam a dinâmica e a construção gradual do trabalho de intervenção. As mudanças não são imediatas. A vida das pessoas em situação de rua, muitas vezes, está relacionada à dependência química e essa situação precisa de medidas assertivas que levem em consideração, inclusive, a redução de danos.
As medidas devem considerar a interseccionalidade das intervenções. É preciso um trabalho de convencimento que proporcione a construção de vínculos com as pessoas em situação de rua. São grupos que, além de tudo, sofrem múltiplas violências. A solução está na conjunção de fatores e ações que visem garantir as necessidades dessa população.
Cidades DF
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