JUSTIÇA

Caso Francisco Mairlon: condenado pode processar o Estado por erro grave?

Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou, na quarta-feira (14/10), a condenação do homem que passou 15 anos na Papuda pelo crime da 113 Sul, ocorrido em 2009

Francisco ficou preso por 15 anos e foi solto na madrugada de quinta-feira (15/10) -  (crédito:  Ed Alves CB/DA Press)
Francisco ficou preso por 15 anos e foi solto na madrugada de quinta-feira (15/10) - (crédito: Ed Alves CB/DA Press)

Após passar 15 anos preso no Complexo Penitenciário da Papuda por participação no “crime da 113 Sul”, Francisco Mairlon Barros Aguiar foi inocentado e absolvido, por unanimidade, na última quarta-feira (14/10), pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Por se tratar de uma prisão considerada injusta pela Corte, é possível processar o Estado por erro judicial? Ao Correio, especialistas em direito penal e constitucional, afirmam que a resposta é sim, e está amparada pela Constituição Federal.

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Ele havia sido preso por ser considerado um dos executores do triplo homicídio do ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) José Guilherme Villela, de sua esposa Maria Carvalho Villela e da empregada Francisca Nascimento da Silva, ocorrido em 28 de agosto de 2009, no apartamento do casal. 

A advogada criminalista Gabriela Bemfica, presidente da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas (Abracrim), explica que a legislação brasileira prevê o dever do Estado de indenizar pessoas condenadas injustamente. “O artigo 5º, LXXV, da Constituição Federal estabelece que o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença. Também o artigo 37, § 6º, prevê a responsabilização de pessoas jurídicas de direito público pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa ”, destaca.

“No caso de Francisco Mairlon, a decisão do STJ reconheceu um erro judiciário gravíssimo, pois foram admitidas provas obtidas mediante tortura e não submetidas ao contraditório, ambas violações diretas à Constituição.”

A especialista lembra que, mesmo sem dolo (má intenção) dos magistrados, o Estado pode ser responsabilizado objetivamente pelos atos de seus agentes. Isso significa que, se comprovado o erro, Mairlon terá direito a pleitear indenização por danos morais, físicos e psicológicos após o trânsito em julgado da decisão.

O entendimento é respaldado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). Em decisão de 2024, a Corte reconheceu que “prisão ilegal ou injusta decorrente de erro no sistema público de justiça viola a integridade física, a liberdade, a honra e a dignidade da pessoa detida, o que caracteriza dano moral indenizável pelo Estado”.

Liberdade de escolha

Para o advogado e professor de direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rodrigo Camargo Aranha, embora o pedido de indenização seja possível, o caminho é longo e burocrático.

“Sempre há uma margem de discricionariedade na atuação dos magistrados. Que é a liberdade de ação de uma autoridadeMilhares de decisões são revertidas diariamente. Isso não significa erro grosseiro, mas uma divergência de entendimento. Pois, não quer dizer que o magistrado entendeu que uma pessoa é culpada, é que todos precisam concordar”, explica.

“Entretanto, um dia ou uma semana na cadeia já é algo extremamente desgastante e pode gerar dever de indenizar. O problema é que esses processos demoram muitos anos, e mesmo quando a pessoa ganha, o pagamento é feito por precatório, que costuma demorar.”

Aranha lembra que, no caso de Mairlon, o STJ considerou que a condenação se baseou apenas em depoimentos colhidos na fase policial, sem confirmação em juízo. Além de ressaltar que o artigo 155 do Código de Processo Penal veda esse tipo de condenação.

“A sentença condenatória deve se basear em provas produzidas sob contraditório judicial, com presença do réu e do defensor. Provas apenas colhidas na delegacia não podem sustentar uma condenação”, afirma.

Investigação

O caso que ficou conhecido como o “crime da 113 Sul” é marcado por uma série de reviravoltas, como disputas entre três delegacias, a participação de uma vidente que denunciou falsos suspeitos, um dossiê escrito à mão encontrado em uma fossa sanitária no interior de Minas Gerais e o depoimento de um preso que encobriu, de dentro da cela, quem havia executado os assassinatos.

Apesar dos erros e confusões, o professor Aranha alerta que o Estado só pode ser responsabilizado em situações de erro grosseiro ou dolo comprovado. “Não é qualquer reviravolta que gera direito à indenização. O Estado precisa julgar com base nas provas disponíveis no processo. Só há responsabilização quando há um erro muito crasso ou quando o magistrado agiu com má-fé, o que deve ser provado”, diz.

O relator do caso no STJ, ministro Sebastião Reis Júnior, destacou que a condenação de Francisco Mairlon violou direitos fundamentais, como a ampla defesa e o contraditório, pilares do Estado Democrático de Direito. Além disso, reconheceu vícios processuais e ausência de provas diretas contra o réu.

Segundo Aranha, essa violação foi determinante na anulação da sentença. “Nenhum julgamento minimamente democrático se sustenta sem o respeito ao contraditório e à ampla defesa. Se houve cerceamento de defesa ou prova ilícita, o processo perde legitimidade”, explica.

Próximos passos

Com a absolvição, Francisco Mairlon deixa de ser réu no processo. Caso o Ministério Público não recorra ou o Supremo Tribunal Federal (STF) mantenha a decisão, Mairlon poderá ingressar com uma ação de indenização contra o Estado.

“Após o trânsito em julgado, ele estará legitimado a requerer reparação por todos os danos sofridos, como morais, físicos e psicológicos, durante os 15 anos de privação de liberdade”, aponta Gabriela Bemfica.

O Correio tentou contato com a defesa de Francisco para perguntar sobre quais serão os próximos passos tomados e se pretendem processar a Justiça Brasileira, mas até o momento não obtive resposta. O espaço segue aberto para manifestação.

 

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postado em 20/10/2025 17:05
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