MÚSICA

O legado de Ozzy Osbourne, o Príncipe das Trevas e pioneiro do heavy metal

Morre aos 76 anos Ozzy Osbourne, um dos mais lendários vocalistas da história do rock

Ozzy Osbourne fez história como vocalista e fundador da banda Black Sabbath -  (crédito: Reprodução/LastFM)
Ozzy Osbourne fez história como vocalista e fundador da banda Black Sabbath - (crédito: Reprodução/LastFM)

O Príncipe das Trevas cantou sua última nota. Ozzy Osbourne morreu na tarde de terça-feira (22/7), aos 76 anos. Ícone do rock e um dos pioneiros do subgênero heavy metal, o vocalista da banda Black Sabbath batalhava há anos com as sequelas da doença de Parkinson e se foi cercado por familiares e pessoas próximas. Ozzy deixa a esposa, Sharon Osbourne, e seis filhos.

John Michael Osbourne nasceu no bairro de Aston, na cidade britânica de Birmingham, mas ficou conhecido pelo mundo com o apelido Ozzy. Ele fez história como vocalista e fundador da banda Black Sabbath, na qual, ao lado de Tony Iommi, Geezer Butler e Bill Ward criou o que viria a ser a sonoridade heavy metal, antes apenas conhecido como rock pesado.

O subgênero tem um som de guitarras distorcidas, ritmo acelerado; a temática, o tom das letras e melodias sombrio e oculto. Está muito ligado à forma como o guitarrista Tommy Iommi tocava o próprio instrumento. Graças a essa nova sonoridade e toda entrega para história da música, o Black Sabbath foi incluído no Hall da Fama do Rock n' Roll em 2006. Ozzy foi introduzido no mesmo grupo seleto em 2024.

Ozzy permaneceu no Black Sabbath por pouco mais de 10 anos. Com os amigos de Birmingham, ele gravou oito discos de estúdio, alguns dos mais importantes da banda até hoje. Entre as faixas de destaque, estão War pigs, Iron man, Paranoid, N.I.B e Children of the grave, todas eternizadas na voz de Osbourne.

Em 1979, o vocalista se despediu do grupo e seguiu carreira solo. Blizzard of ozz (1980) foi o primeiro álbum da nova era, e com mais 6 milhões de cópias se tornou o mais vendido de Osbourne. Mr. Crowley e Crazy train foram os singles que marcaram o disco, sendo que o segundo atingiu a posição de número 9 nas paradas da Billboard, além de conquistar certificação de platina duas vezes. O álbum também contou com a participação do jovem guitarrista Randy Rhoads, o baixista Bob Daisley, o baterista Lee Kerslake e Dan Airey.

Outro disco de sucesso que Ozzy gravou em sua carreira solo, que vendeu mais de 3 milhões de cópias foi Diary of a madman (1981), com as canções Flying high again e Over the mountain. O último álbum lançado pelo artista foi Ordinary man (2020), com participações de Elton John, Post Malone e Travis Scott.

Em 1982, ele decapitou um morcego com a boca em um show em Des Moines, Iowa, nos Estados Unidos e, desde então, teve a figura do animal muito atrelada à própria história. Na ocasião, Ozzy acreditava que o animal, que havia sido arremessado no palco, era de borracha. A mordida no morcego o fez precisar tomar vacina antirrábica.

Além de ser o Príncipe das Trevas no heavy metal, Ozzy Osbourne também trabalhou na TV ao longo da carreira — de aparições como ele mesmo em obras diversas até dublagem de programas infantis. A produção mais memorável do artista é o reality show Os Osbournes, que foi ao ar de 2002 a 2005 e mostrou o dia a dia do artista com a sua esposa, Sharon, e os filhos Jack e Kelly. Ele também dublou desenhos como Bubble Guppies, South Park e Adolepeixes, e os filmes Moulin Rouge, Gnomeu e Julieta e Trolls 2.

A despedida

O artista ficou para sempre marcado como a voz do Black Sabbath. Mesmo após a carreira solo de sucesso, ele escolheu a banda para fazer a própria despedida oficial dos palcos. Em 5 de julho deste ano, Ozzy cantava as últimas músicas ao lado de Iommi, Butler e Ward. Foi no Villa Park, em Birmingham, que o cantor se despediu dos fãs. "É minha hora de voltar ao começo....hora de me devolver ao lugar onde nasci", disse Ozzy Osbourne. "Como sou abençoado por fazer isso com a ajuda das pessoas que amo. Birmingham é o verdadeiro lar do metal. Birmingham para sempre", completou.

Em show intitulado Back to the Beginning, Ozzy se despediu de forma histórica e grandiosa. A última apresentação do Black Sabbath reuniu cerca de 40 mil pessoas no estádio e mais de 10 milhões de espectadores on-line. Com participação de lendas do rock como Metallica, Guns N' Roses, Tool e Slayer, além da aguardada reunião da formação original dos criadores do heavy metal, o espetáculo teve mais de 10 horas de duração e caráter beneficente. A arrecadação, estimada em 140 milhões de libras, foi destinada a instituições de caridade, incluindo um hospital especializado no tratamento do Parkinson — doença enfrentada por Ozzy nos últimos anos. A apresentação entrou para a história como o show beneficente mais lucrativo de todos os tempos, segundo a revista norte-americana Billboard.

Mais que uma despedida, o show representou um ciclo completo para o Príncipe das Trevas, que voltou às origens em grande estilo. Emocionado, Ozzy declarou ao público: "É tão bom estar neste palco, vocês não têm ideia. Eu amo cada um de vocês. Levantem suas mãos, vocês são os melhores, cada um de vocês." A fala sintetizou o clima de união entre Ozzy e os fãs, em uma noite carregada de significado. Amigos e colegas de longa data, como Tony Iommi, descreveram o espetáculo como "uma celebração da vida e da música de Ozzy". Fãs relataram uma atmosfera mágica — um misto de gratidão, nostalgia e reverência. Birmingham, a cidade que viu o nascer, cantar e revolucionar o heavy metal, tornou-se também o cenário da última reverência , selando um legado incomparável de coragem, autenticidade e amor pelo palco.

Legado geracional

Ozzy fez, ao longo da carreira, fãs de todas as idades e nacionalidades. Black Sabbath se tornou uma porta de entrada para o heavy metal, que é um dos gêneros mais populares relacionados ao rock. "O Black Sabbath não é só uma banda, é a fundação de um império sonoro. Eles não criaram apenas o Heavy Metal; eles deram forma a um sentimento, a um grito sombrio que ecoou por gerações inteiras", afirma Raphael Lima, 28, pentester que vendeu a moto para estar no último show do Black Sabbath na Inglaterra. "O mundo talvez nunca mais veja algo igual a essa banda. Mas enquanto houver um jovem descobrindo Iron man pela primeira vez, ou alguém tremendo ao ouvir Children of the grave a todo volume, o Sabbath seguirá vivo. Não se trata de uma despedida, é o início da eternidade", acrescenta.

"O seu legado extremamente importante para a cena Rock/Metal desde os tempos de Black Sabbath, em muitas formas os inventores do heavy metal, até em seus solos que influenciaram toda uma geração", diz Marcelo Barbosa, guitarrista brasiliense integrante da banda de metal Angra. O músico também exaltou a relação do vocalista com os instrumentistas que o acompanhavam. "Ozzy sempre foi um expert em escolher guitarristas. Foi o responsável por dar luz ao talento de nomes como Randy Rhoads, Jake Lee e Zakk Wylde, que tiveram suas marcas eternizadas no universo Rock in roll através de seus trabalhos com Ozzy. Que ele descanse em paz", destaca.

Gabriel Peres, baterista banda Aguaceiro, mas também está nos primeiros passos para um discos solo, herdou uma relação muito intensa com o Ozzy do pai, o guitarrista Kiko Peres, da banda Natiruts. "O Black Sabbath foi a primeira banda que conheci e gostei por conta própria, quando eu ainda tinha uns 7 anos de idade, e por anos foi a única coisa que escutei. A admiração se estendeu para carreira solo do Ozzy e a fascinação por eles só cresceu, e segue crescendo até hoje", conta. "O Ozzy, pra mim, é como um dos meus amigos mais antigos, desde que sou pequeno, mesmo obviamente nunca conhecendo ele pessoalmente", comenta. "Para quem gosta de heavy metal, nenhum de nós estaria aqui sem ele. A lenda só cresce, e que sorte a nossa poder aproveitar isso tudo", finaliza.

Repercussão

Dois integrantes do Black Sabbath lamentaram a perda do amigo e colega nas redes sociais, relembrando o último show da banda, no início do mês, no Villa Park. O baixista Geezer Butler se despediu de Ozzy com gratidão por tantos anos de parceria: "Nós nos divertimos bastante. Quatro garotos de Aston, quem imaginaria? Fico feliz que conseguimos tocar juntos uma última vez, em Aston. Amo você", publicou no Instagram. O guitarrista Tony Iommi disse que estava de coração partido com a notícia, "nunca vai existir outro como ele. Geezer, Bill e eu perdemos um irmão", escreveu o músico, que prestou condolências à família Osbourne.

Andreas Kisser, guitarrista da banda brasileira Sepultura, conversou com a revista Rolling Stone sobre a perda de Osbourne e como ele foi uma das maiores influências dele para seguir a carreira na música. "Fizemos várias turnês juntos. Trabalhamos com roadies e ex-roadies do Ozzy. Conhecemos a família, a Sharon Osbourne", comentou o músico. "Ele foi um cara revolucionário, com uma voz muito característica, muito única, quase impossível de ser imitada. Ele foi um músico destemido que sempre buscou seguir o próprio caminho. Eu agradeço demais tudo que o Ozzy fez por mim, pelo heavy metal e pela música em geral", completa Kisser.

Ozzy era um torcedor ávido do clube de futebol inglês Aston Villa, que também prestou homenagens ao cantor: "O time está triste ao receber a notícia de que o renomado rockstar e nosso torcedor Ozzy Osbourne faleceu. Crescendo em Aston, não muito longe do Villa Park, Ozzy sempre teve uma forte conexão com o clube e com a comunidade em que viveu. Os sentimentos de todos no Aston Villa estão com Sharon, a família, amigos e incontáveis fãs dele nesse momento difícil. Descanse em paz, Ozzy", publicou a equipe.

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Uma noite em junho de 1978

Noite memorável

 

Fabio Grecchi

Tenho a mais absoluta certeza de que todos aqueles garotos não poderiam imaginar que, naquele junho de 1978 (lembro que foi dias depois de meu irmão completar quatro anos de idade), apertados no Hammersmith Odeon, estavam vendo o capítulo final da presença de Ozzy Osbourne no Black Sabbath. Era a turnê de 10 anos da banda e do lançamento do derradeiro disco com a formação original, Never Say Die.

Mover-se no meio daquela multidão, no velho, mas elegante, teatro/cinema/casa do shows, importava menos. Interessava era, além de Ozzy, ver e escutar Tony Iommi, Geezer Butler e Bill Ward na ponta dos cascos. Jovens, criativos, brilhantes e autoridades absolutas sobre a plateia hipnotizada.

Chegar ao Hammersmith foi um inferno. O centro do mundo, naquela noite, era lá. E era para ver o pacote completo. A abertura do show estava a cargo do Van Halen, que tinha lançado, meses antes, o estrondoso Van Halen I. Não era a nova geração pedindo passagem aos quatro de Birminghan, mas pagando a eles respeito e reconhecimento.

O show do Sabbath começou como, depois, iniciariam-se os de Ozzy — com um excerto de “O Fortuna”, da ópera Carmina Burana. As luzes se apagavam e a banda, já no palco, atacava Symptom Of The Universe. Tudo em nome da tensão. A ordem das músicas pouco importa a partir daí, mas estavam lá todas as que eram parte do repertório clássico do Sabbath (Iron Man, War Pigs, Fairies Wear Boots, Snowblind, Black Sabbath) e canções que quase passaram despercebidas — como Shock Wave (do Never Say Die) e Dirty Woman (do Technical Ecstasy). Ozzy continuava cantando do lado direito (de quem assiste) do palco, pois Tony Iommi fazia questão do centro, à frente da bateria de Bill Ward. No fundo, revezavam-se projeções do fantasmagórico piloto de avião que ilustra a capa de Never Say Die e a do demônio vermelho de asas longas, lançando laser pelos olhos, que vinha no programa da turnê de 10 anos. Sobre a música, uma palavra a define: estupenda.

Assim me despeço de Ozzy. Acompanhei a brilhante carreira que teve e tenho quase tudo que lançou (admito que me faltam dois discos). Mas volto àquela noite de 1978 porque testemunhei o auge de um cantor especial e que muitos acreditavam ser somente um personagem. Longe disso: era um músico brilhante, com uma voz especial. Ozzy é inesquecível.

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AS
LM
postado em 23/07/2025 06:00
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