
Séries como Tremembé, no Brasil, e a antologia norte-americana Monstro, de Ryan Murphy, mostram que o fascínio por histórias de crimes reais está longe de perder força. Entre curiosidade e repulsa, o público consome narrativas que revisitam assassinatos, traumas e personagens sombrios. Mas o que explica essa atração por produções que transformam a violência em espetáculo e os criminosos em figuras quase mitológicas? Por trás desse interesse, há tanto desejo de entender o mal quanto a necessidade de enfrentá-lo — ainda que pela tela.
Segundo o psicólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB) Fabrício Lemos Guimarães, doutor em psicologia e pós-graduado em Impactos da Violência na Saúde, produções de true crime são apelativas justamente pelo medo de que aquilo de fato pode acontecer. Além da ânsia de entender o que leva as pessoas a comportamentos disfuncionais, essas obras liberam adrenalina — o que muitas vezes resulta na tentativa de lidar com o fenômeno retratado como se o telespectador fosse a vítima e descobrir como se prevenir.
“Essas séries tocam na vulnerabilidade e no senso de proteção, causando uma sensação de segurança ao desligar a tela”, explica Guimarães. “Mesmo não passando por aquilo de fato, tendemos a nos colocar no lugar das pessoas. Isso pode causar traumatização vicária (exposição e vício ao trauma de outra pessoa) e fadiga por compaixão. Ou seja, pode-se começar a sofrer sequelas semelhantes às vistas.”
A linha tênue entre entretenimento e estresse pode ser percebida caso a ansiedade ao consumir tais conteúdos aumente. O especialista também justifica o fascínio por true crime pela curiosidade. “Paradoxalmente com o medo e a repulsa. A contradição potencializa o interesse”, complementa.
A dessensibilização emocional também pode ser uma consequência do consumo excessivo, o que Guimarães define como anestesia psicológica pelo costume. “Isso acontece pela adaptação com questões sensíveis”, diz, exemplificando a experiência pessoal de trabalhar com muitos casos de violência doméstica. “Por um lado, permite dialogar melhor com essas pessoas. Por outro, pode acontecer a normalização. Temos que tomar cuidado, principalmente com crianças e adolescentes, que estão em fase de formação.”
Vale ressaltar a romantização de personagens problemáticos devido a aproximação. “A medida que essas séries mostram o dia a dia desses personagens, a gente vai humanizando essas questões”, afirma o psicólogo. Na prisão, muitos criminosos notórios recebem cartas, visitas íntimas e apoio de fãs, como mostram as séries mencionadas. “Deixamos de ver a gravidade dos crimes.”
Criadores de conteúdo online são outros precursores das histórias de true crime. No YouTube, por exemplo, Jaqueline Guerreiro acumula mais de 3 milhões de inscritos com vídeos de terrores reais. E a maioria do público também é composto por mulheres. Conforme Guimarães, o sentimento de perigo e a estratégia de proteção são apelativas, e a adrenalina liberada durante o conteúdo dificulta a interrupção. Em conclusão, não há nada de errado em assistir obras de true crime, mas problemas gerados pelo excesso devem ser observados.
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