O mundo está mudando mais rápido do que as escolas conseguem acompanhar — e esse descompasso pode ampliar desigualdades, afetar a saúde mental dos jovens e comprometer o futuro da educação. O alerta é de Olli-Pekka Heinonen, diretor-geral do International Baccalaureate (IB) e ex-ministro finlandês de Educação e Ciência, em entrevista exclusiva ao Correio, durante evento do IB realizado na quarta-feira (3/12), na Swiss International School Brasília.
Para ele, o principal desafio global não é escrever novas estratégias educacionais, mas fazer com que elas realmente aconteçam dentro das salas de aula. “O problema não é a estratégia, é a implementação. As escolas precisam de apoio real para mudar”, afirma.
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Heinonen apontou três pilares para que um país dê um salto educacional: começar pela primeira infância, garantir professores qualificados e motivados, e conectar as reformas à prática cotidiana. “Os primeiros anos definem a atitude da criança em relação à escola. Se essa atitude é negativa, ela pode acompanhá-la por toda a vida”, diz.
Potencial para avançar
Segundo o diretor, o país reúne bases sólidas, como a BNCC e a expansão do bilinguismo, para se aproximar do modelo do IB, hoje presente em 79 escolas brasileiras e em forte crescimento. Em 2025, serão 1.500 candidatos ao Programa de Diploma, 70% buscando a versão bilíngue.
Mas há entraves que impedem a expansão. Segundo Olli-Pekka, as desigualdades regionais e socioeconômicas profundas; falta de apoio aos docentes; as barreiras linguísticas e o risco de ampliar desigualdades se o Programa de Diploma for adotado sem investimento nas etapas iniciais.
Heinonen alerta: “Sem investir cedo em linguagem, pedagogia e habilidades fundamentais, o sistema acaba beneficiando apenas quem já tem vantagem”. O IB está cada vez mais presente em sistemas públicos de países em desenvolvimento, hoje, 47% das escolas IB no mundo são públicas.
Ele cita experiências relevantes para o Brasil se inspirar, como o Peru e Índia, que investiram desde a infância para sustentar o sucesso do Programa de Diploma. Ainda segundo o ex-ministro de educação da Finlândia, a Costa Rica alinhou o IB aos objetivos nacionais e às universidades públicas e a Indonésia e Colômbia como exemplo, pois usam o IB para elevar a qualidade do ensino médio em escolas urbanas públicas.
Inteligência artificial na educação
Heinonen demonstra preocupação crescente com o uso da inteligência artificial entre jovens, inclusive como substituto de amizades e até como “terapeuta digital”. “A IA nunca discorda, nunca está cansada, está sempre disponível. Isso é perigoso. Os amigos reais se tornam piores em comparação, e a autoimagem do jovem se distorce”, alerta.
Durante a entrevista, ele reforçou que os menores riscos ocorrem quando a IA é usada pelos professores e os maiores, surgem quando os alunos utilizam a ferramenta para ter "amigos" "Escolas devem ensinar alunos a trabalhar com a IA, criar com ela, entender como ela funciona e gerenciar sua relação emocional com a tecnologia", destacou.
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Heinonen é categórico: “Sistemas educacionais não devem começar pela tecnologia. Devem começar pelo problema educacional que querem resolver”.
Discussões saudáveis em sala de aula
Ao ser questionado sobre como discutir desigualdade e clima nas escolas, sem sobrecarregar alunos e professores, Heinonen afirma que temas como clima, desigualdade e saúde mental devem, sim, estar na escola, porque são preocupações reais dos jovens. "O problema não é falar sobre eles, mas como falar", destaca.
Ele explica que, diante desses temas, os jovens ficam entre dois caminhos:desânimo, cinismo e apatia; ou ação, engajamento e esperança. E para ele, o papel da escola é canalizar ansiedade em ação coletiva, por meio de projetos como o Festival da Esperança, já realizado duas vezes no Brasil. “Quando você se sente preso, a melhor saída é agir. Fazer algo com a situação. Isso devolve o senso de pertencimento e ação”, afirma.
Programas do IB, como o CAS (Criatividade, Atividade e Serviço), ajudam nessa conexão entre comunidade, propósito e saúde mental. “Ajudar outra pessoa é uma das melhores maneiras de ajudar a si mesmo”, diz.
Por que não dá para “copiar e colar” o modelo finlandês no Brasil? Heinonen é realista: “Resultados educacionais não podem ser escalados. Pessoas precisam passar pelo processo de aprendizado, não basta importar métodos”.
Mas há algo em comum entre Finlândia e Brasil: ambos têm professores comprometidos; enfrentam debates sobre bem-estar e autonomia docente e os dois precisam de tempo e consistência para transformar o sistema.
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A diferença está na escala: “A Finlândia é pequena. O Brasil é enorme. Mas os princípios humanos que sustentam boa educação são os mesmos”, finaliza.
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