JUDICIÁRIO

Crime da 113 Sul: saiba o que pode ocorrer após anulação do júri de Adriana Villela

Especialista explica as possibilidades de andamento do caso. Adriana Villela havia sido condenada pela morte dos pais e da funcionária da casa. Defesa da arquiteta afirma que a justiça foi feita. Ministério Público vai recorrer

Julgamento na Sexta Turma do STJ começou em março -  (crédito: Mila Ferreira)
Julgamento na Sexta Turma do STJ começou em março - (crédito: Mila Ferreira)

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou, nesta terça-feira (2/9), por três votos a dois, o júri que havia condenado a arquiteta Adriana Villela a 61 anos e três meses de prisão pelo assassinato dos pais e da empregada da família. A defesa de Adriana comemorou, afirmando que "justiça foi feita". O promotor Marcelo Leite, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), refutou os argumentos da defesa e anunciou que a promotoria vai recorrer.

O recurso em julgamento era o de Adriana, que sustentou só ter conseguido acessar as mídias consideradas essenciais no sétimo dia do julgamento do júri popular, realizado em 2019, o que configuraria cerceamento de defesa. Durante a sessão, o ministro Antonio Saldanha criticou a restrição ao acesso a provas. "Não consigo entender porque determinados órgãos impedem a defesa de acessar determinadas provas", declarou.

Júri que condenou Adriana Villela foi anulado ontem
O júri que condenou Adriana Villela foi realizado em 2019 (foto: Ed Alves/CB)

O julgamento estava em andamento desde 11 de março, quando o relator do caso, ministro Rogério Schietti Cruz, votou pela manutenção da condenação. Cinco meses depois, o ministro Sebastião Reis Júnior divergiu, proferindo voto à favor da tese da defesa.

No resultado final, acompanharam o voto de Sebastião Reis os ministros Antonio Saldanha Palheiro e o desembargador Otávio de Almeida Toledo. O ministro Og Fernandes foi contrário.

Agora, a defesa aguarda a publicação da decisão, que ficará a cargo do ministro Sebastião Reis Júnior. Ele é quem definirá até que fase do processo a anulação terá efeito.

"Justiça foi feita"

"Os vídeos nos foram disponibilizados somente no sétimo dia de julgamento. Foram seis dias de júri onde deixamos de ter acesso [...] Mas para nós, o que interessava era impedir que essa injustiça fosse sedimentada no STJ", Antônio Carlos de Almeida, Kakay, advogado de defesa
"Os vídeos nos foram disponibilizados somente no sétimo dia de julgamento. Foram seis dias de júri onde deixamos de ter acesso [...] Mas para nós, o que interessava era impedir que essa injustiça fosse sedimentada no STJ", Antônio Carlos de Almeida, Kakay, advogado de defesa (foto: ED ALVES/CB/D.A.Press)

Foi com lágrimas nos olhos que o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, deixou a sessão. À reportagem, disse estar emocionado: "O coração não aguenta de felicidade". Para Kakay, a decisão, mesmo com divergência entre os ministros, representou justiça. "É a sensação de que a Justiça foi feita. Desde o primeiro momento, eu digo que tenho absoluta convicção da inocência dela. Entendo que mesmo os que votaram contra, o fizeram por uma questão técnica", disse.

O advogado explicou os próximos passos. "Agora, teremos uma nova instrução. Tenho plena convicção de que ela não será pronunciada. Não existe nada que possa levar Adriana à cena do crime", afirmou, acrescentando que pretende ouvir novamente todas as testemunhas. "Quanto às provas técnicas, não vamos brigar por elas, apenas impugná-las novamente", falou ao Correio.

Segundo ele, não há elementos para que Adriana seja levada novamente ao Tribunal do Júri. "O que nos importava era impedir que essa injustiça fosse sedimentada no STJ. Para mim, é muito claro que o voto do ministro Sebastião (Reis) deve prevalecer", concluiu, lembrando do voto a favor do recurso da defesa em 5 de agosto.

Recurso 

 02/09/2025 Ed Alves CB/DA Press.Cidades. Julgamento Caso da 113 Sul - Adriana Villela. Na foto, Promotor Marcelo Leite.
"Nós temos diversas certidões no processo, que indicam que eles tiveram acesso a todas as mídias. Certamente, os ministros que votaram pela anulação foram levados ao erro pela defesa", Marcelo Leite, promotor (foto: Ed Alves CB/DA Press)

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) vai recorrer da decisão do STJ. A defesa diz que só teve acesso a algumas mídias que constavam nos autos do processo no sétimo dia do julgamento no Tribunal do Júri, em 2019. Entretanto, o promotor responsável pelo caso, Marcelo Leite, afirma que, com essa alegação, a defesa levou os ministros ao erro.

"Nós temos diversas certidões no processo, que indicam que eles tiveram acesso a todas as mídias. Certamente, os ministros que votaram pela anulação foram levados ao erro pela defesa", enfatizou o promotor Marcelo Leite. "Eles (os ministros) tomaram como certa uma mera alegação da defesa. Os vídeos foram divulgados para todo o DF. Não entendo como isso pode ter sido surpresa para a defesa", afirmou o promotor. 

Relembre o caso

O crime da 113 Sul teve repercussão nacional. Em 28 de agosto de 2009, o advogado e ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) José Villela; a esposa dele, Maria Carvalho; e a empregada da família, Francisca da Silva, foram encontrados mortos com 73 facadas, ao todo, no apartamento onde moravam, na Asa Sul.

A apuração do caso levantou questionamentos, tanto pela forma como foi conduzida quanto por episódios que fugiram do padrão esperado em investigações criminais. Entre os pontos polêmicos, estão a consulta à vidente Rosa Maria Jaques para identificar os suspeitos envolvidos no caso, denúncias de tortura envolvendo investigadores e a prisão da delegada Martha Geny Vargas Borraz, responsável pelo início das investigações.

Adriana Villela foi considerada a mandante dos crimes. Ela teria contratado Leonardo Campos Alves, ex-porteiro do prédio do casal, para cometer os homicídios, oferecendo dinheiro e joias como pagamento. Leonardo, por sua vez, combinou a execução com o sobrinho, Paulo Cardoso Santana, e com Francisco Mairlon Barros Aguiar, que também seriam recompensados.

As investigações mostram que, no dia do crime, Leonardo levou os dois até a 113 Sul e os aguardou nas proximidades. Paulo e Francisco entraram no imóvel com base nas informações que teriam sido repassadas por Leonardo e Adriana. A maioria dos golpes de faca disferidos ocorreu quando as vítimas estavam caídas, apontou a perícia. Conforme a acusação, para simular o latrocínio, os criminosos levaram dinheiro e joias da casa.

O MPDFT sustentou que se tratava de homicídios triplamente qualificados, e não de latrocínio, conforme sustentava a defesa. Segundo a acusação, os assassinatos de José e Maria foram motivados por razão torpe, devido a desentendimentos financeiros entre os pais e a filha, que dependia deles economicamente. A morte de Francisca teria ocorrido para garantir a impunidade, porque ela poderia reconhecer os autores. Além disso, os criminosos usaram meio cruel e recurso que dificultou a defesa das vítimas, que foram surpreendidas dentro de casa.

Delegada presa

Martha Vargas, que esteve à frente da apuração do crime, foi denunciada pelo MPDFT e condenada pela prática de crimes que teriam ocorrido durante a investigação policial. Ela foi presa em 2018, e, atualmente, cumpre prisão domiciliar humanitária, mediante monitoração eletrônica, para cuidar do irmão, que tem deficiência mental.

Em 2024, Martha moveu uma ação contra o Distrito Federal contestando a cassação de sua aposentadoria e buscando indenização por danos morais. Ela teve o pedido negado em primeira instância e aguarda recurso.

Condenações

Os três executores do crime seguem cumprindo pena na Papuda. Eles foram condenados pelo Tribunal do Júri antes de Adriana. Leonardo Alves e Francisco Mairlon Aguiar foram condenados em dezembro de 2013, para cumprir penas de 60 anos e 55 anos, respectivamente. O julgamento de Paulo Santana ocorreu em dezembro de 2016, e a pena foi de 62 anos e 1 mês.

Ao Correio, Igor Abreu Farias, advogado de Leonardo Alves, explicou que a pena dele foi reduzida para 53 anos no Tribunal de Justiça. Além disso, ele pretende acionar o Judiciário novamente após o resultado do julgamento desta terça-feira (2/9). "Foi uma grata surpresa, estávamos acompanhando. Com certeza, com a publicação do acórdão, farei a análise sobre a viabilidade técnica de aproveitamento em beneficio do Leonardo, c considerando tratar-se de um processo cercado de ilegalidades e desmandos", afirmou.

Prescrição

De acordo com o Código Penal, considerando a pena máxima de 30 anos para o homicídio qualificado, a prescrição ocorre em 20 anos, prazo que pode ser acrescido em um terço por se tratar de crime hediondo. No caso de Adriana Villela, a decisão de ontem não torna a prescrição mais próxima, ao contrário. É o que explica o advogado criminalista Guilherme Augusto Mota. "Cada ato processual relevante, como a pronúncia, a sentença e os acórdãos, interrompe a contagem do prazo, fazendo com que a prescrição seja, na prática, de difícil ocorrência", frisou. 

O especialista detalhou que, no caso concreto, a decisão do STJ que anulou todo o processo desde a instrução interfere diretamente na contagem. "Como a condenação foi desconstituída, não há trânsito em julgado e, portanto, não se inicia a prescrição. O processo retorna à primeira instância, onde novos atos — denúncia, instrução, eventual júri — passarão a ser praticados, todos capazes de reiniciar ou interromper os prazos prescricionais", exemplificou Mota. "Isso significa que a anulação não aproxima a defesa da prescrição, mas, ao contrário, tende a afastar esse risco, pois recoloca o caso em movimento e gera novos marcos interruptivos que mantêm a punibilidade ativa", complementou.

O que pode acontecer a partir de agora

  • Embargos de Declaração no STJ — prazo de dois dias: o Ministério Público pode opor embargos de declaração para esclarecer eventual obscuridade, omissão, contradição ou erro material no acórdão.
  • Embargos de Divergência no STJ: se houver divergência jurisprudencial entre turmas do STJ sobre a matéria decidida, o MP pode tentar uniformizar a interpretação. Isso ocorre quando o resultado decidido pela Sexta Turma entra em confronto com algum outro julgado em outra turma do STJ. Nesse caso, a matéria poderia ser rediscutida pela Terceira Seção do STJ, reunindo ambas as turmas.
  • Recurso Extraordinário ao STF: caso identifique violação à Constituição Federal, o MP pode recorrer ao STF por meio de recurso extraordinário. Para isso, precisará demonstrar que a questão possui repercussão geral, ou seja, não se limita a interesses pessoais. Se o STF reconhecer a repercussão geral, o recurso é admitido e julgado. Caso contrário, ele é rejeitado mesmo antes da análise do mérito. O efeito prático seria reestabelecer a condenação do Tribunal do Júri e mantida pelo STF.
  • No caso de se esgotarem os recursos e o julgamento ser anulado de fato, o processo recomeça com novos atos, como nova denúncia e instrução. Nesse caso, a contagem do prazo de prescrição é reiniciada. 

*Fonte: Guilherme Augusto Mota, advogado criminalista

 

 

 

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postado em 03/09/2025 05:00
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