
Celebrando 60 anos e em sua 58ª edição, o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro guarda memórias e encontros de grandes cineastas do país. Sendo o festival mais longevo ainda em atividade no país, o troféu candango consagrou grandes nomes, como Arnaldo Jabor, Julio Bressane, Cláudio Assis, Ruy Guerra, Adirley Queirós, Cacá Diegues, Laís Bodanzky e Lúcia Murat. Frequentadores assíduos do festival compartilharam com o Correio algumas das memórias favoritas de mais de meio século de história do evento.
Cristiano Burlan, cineasta e diretor de teatro, relembra a edição de 2015, quando participou da Mostra Competitiva Nacional, ao lado de Cláudio Assis, Roberto Gervitz, Aly Muritiba, John Howard Szerman e Alan Minas. "No ano anterior, Adirley e alguns amigos decidiram dividir o prêmio e eu perdi essa boca. Em 2015, fiz uma reunião na piscina do hotel com os que estavam concorrendo e sugeri a mesma coisa", conta o diretor. "O Cláudio Assis virou para gente e falou que ia ganhar e não ia dividir com ninguém", relata. Naquele ano, Cláudio levou o prêmio da edição com o longa Big Jato e cumpriu com sua promessa, sem dividir nada.
Também nesta edição, Burlan destaca uma conversa com Jean-Claude Bernardet, um dos homenageados deste ano. "Jean-Claude era protagonista do meu filme Fome e, depois da sessão, ele desapareceu. Às 5 da manhã, ele ligou no meu quarto de hotel e pediu para eu descer. Ele estava bem transtornado e disse que eu tinha filmado a morte dele em vida", comenta. Para o diretor, o festival continua sendo um grande palco do cinema brasileiro. "Todos os discursos políticos acabam sendo projetados por aqui. O que fica para mim de memória é minha relação com os filmes, você não sai inculto das edições do festival", afirma.
Para alguns, cenas de filmes exibidos no Cine Brasília deixaram sua marca. O produtor Roger Madruga elenca um plano-sequência de cinco minutos do mar, do longa Miramar, de Júlio Bressane. O filme participou da edição de 1997 e conquistou o Troféu Candango de Melhor filme, Melhor diretor, além dos prêmios em fotografia, montagem, trilha sonora e prêmio da crítica. "Eu adorei o plano do mar feito por Bressane, todo mundo achou aquilo louco e eu adorei", relembra.
Para José Carlos Coutinho, professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB), os filmes da Mostra Brasília são sempre a parte mais importante, ao lado do carinho que recebe no festival. "Isso aqui é a festa do encontro. As pessoas não se veem há muitos anos e, a cada 10 passos, ganho abraços de pessoas que fazia muito tempo que não encontrava", comenta. Além disso, Coutinho destaca que estar no festival faz com que ele relembre de nomes como Vladimir Carvalho e Silvio Tendler. "A simples lembrança deles me emociona, eles estavam sempre por aqui", conta.
Paulo Miklos, que apresentou o primeiro trabalho da sua carreira, O invasor (2001), destaca que a melhor memória que carrega do festival é a efervescência do evento. "Esse momento em que estamos todos aqui, vindo de todos os lugares do Brasil. O festival tem essa capacidade de trazer uma amálgama do Brasil como um todo. É muito bacana estar em contato com outras equipes, o festival é também um momento de encontros, não só com o público, mas também com quem faz cinema, é um prazer estar aqui", destaca o ator que retorna este ano com Assalto à brasileira, longa de José Eduardo Belmonte.
Arte valorizada
Sendo o festival mais tradicional do país, o Festival de Brasília tem a fama de possuir um público extremamente crítico. As exibições eram encerradas ao som de muitas palmas ou muitas vaias, dependendo de como o filme se saia para os presentes. Para o cineasta Renato Barbieri, o evento segue com um viés crítico, mas com um outro formato.
O diretor acredita que a régua principal da curadoria é o cinema de arte. "Fora dessa régua, curadorias tendem a não valorar filmes de outros gêneros e que são produzidos às pencas no Brasil todo. Nesse sentido, o Festival de Brasília, que um dia representava o que de melhor se fazia no Cinema Brasileiro, hoje representa o que de melhor se faz no Cinema de Arte Brasileiro", define. Cinema de arte pode ser interpretado como filmes que fogem do padrão comercial, normalmente ligado a produções independentes.
Além disso, Barbieri destaca que o festival carrega um forte viés político e sempre foi palco de debates e estratégias de afirmação do cinema brasileiro. "A Ancine (Agência Nacional de Cinema) foi amplamente debatida no festival, antes mesmo de sua criação e depois, em sua evolução, até hoje. No festival nasceram muitas e muitas associações nacionais, macrorregionais e distritais", comenta.
Essas atitudes impactam no perfil do público, que tem agregado novas gerações de interessados pela sétima arte. "É nítida a mudança do perfil do público nas últimas décadas. Sou um entusiasta do festival e defendo que um dia volte a representar o que de melhor se faz no Brasil como um todo em termos de cinema. Acredito que isso ampliará mais uma vez o público e, principalmente, a sua visão da arte cinematográfica", reforça. Para Barbieri, "seja como for, o Festival de Brasília tem assegurado seu lugar sagrado no cinema brasileiro".
João Lanari Bo, professor do curso de audiovisual na UnB, reuniu os alunos da disciplina de Linguagem Cinematográfica em Cinema e Audiovisual para falar sobre o perfil do festival. Em conjunto, os alunos acreditam que o viés político e crítico é um dos principais ativos do evento. "Com certeza, a despeito da enorme concorrência com outros festivais, Brasília continua atraindo o pessoal de cinema Brasil afora. A turma considera que o perfil desse ano, com mostras, debates, exibições especiais, além dos filmes em competição, está bastante interessante", comenta.
Noite da premiação
A 58ª edição do Festival de Brasília chega ao fim neste sábado (20/9) com a cerimônia de premiação e o filme de encerramento é de Rafaela Camelo, diretora brasiliense. Exibido no Festival de Berlim e vencedor do prêmio do júri no festival de Gramado, A natureza das coisas invisíveis encerra as exibições do festival na sala Vladimir Carvalho.
- Leia também: Após 18 anos, José Eduardo Belmonte volta a competir no Festival de Brasília com filme sobre contraventores
Morte e vida madalena, Xingu à margem, Quatro meninas, Corpo da paz, Aqui não entra luz, Assalto à brasileira e Futuro futuro são os longas selecionados para a Mostra Competitiva Nacional e concorrem aos prêmios de Melhor Longa-metragem pelo Júri Oficial e pelo Júri Popular, Melhor direção, Melhor ator, Melhor atriz, Melhor ator coadjuvante, Melhor atriz coadjuvante, Melhor roteiro, Melhor fotografia, Melhor direção de arte, Melhor trilha sonora, Melhor edição de som, Melhor montagem e Prêmio especial do júri.
Apostas feitas
Um balanço indicativo — ainda sem a inclusão dos filmes da última noite competitiva — pode ser tecido, a momentos da entrega dos famosos prêmios Candango, em que culmina a celebração do 58º Festival de Brasília. Na categoria dos curtas-metragens há pulsantes expectativas em torno de premiações para a qualidade inventiva da obra Safo e ainda dos registros de dramas àsperos, desenvolvidos por cineastas como Milena Manfredini, e pela dupla Marcela Ulhoa e Yane Perdomo, respectivamente, em Laudelina e a felicidade guerreira e A pele do ouro.
Entre os longas, houve a potência temática de filmes como Xingu à margem e Futuro futuro. Num diversificado painel, o festival serviu para sacramentar a excelência na fotografia e direção de arte presentes no longa de Karen Suzane, Quatro meninas, com um conjunto de atrizes marcante. Quem se destacou muito foi Rodolpho de Barros, à frente da fotografia do longa Corpo da paz, filme de memórias com elenco de coadjuvantes bastante entrosados, de onde se viu Vinícius Guedes, Fabíola Morais e Alex Oliveira.
Por fim, com a possibilidade de fator surpresa demarcado pelo filme de Davi Pretto, Futuro futuro, os prêmios de direção, público e de melhor filme devem ficar embolados, numa disputa, cabeça a cabeça, entre Aqui não entra luz e Assalto à brasileira. Apoiada pela cumplicidade do público, Karol Maia brilhou com seu documentário sobre trabalhadoras domésticas (Aqui não entra luz), enquanto o filme de José Eduardo Belmonte (Assalto à brasileira), baseado em realidade de 1987, surpreendeu em quesitos montagem, som e atores centrais (Murilo Benício e Christian Malheiros).
Diversão e Arte
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