Paranoá

Incêndio em clínica de reabilitação no Paranoá mata cinco e expõe falhas de segurança

Um incêndio nas dependências da Comunidade Terapêutica Liberte-se, durante a madrugada de domingo, levou à morte de cinco internos e outros 11 estão hospitalizados. Familiares clamam por justiça, mas ainda não se sabe o que causou o fogo

A madrugada de ontem foi marcada por uma tragédia que atingiu uma clínica de reabilitação para dependentes químicos. Um incêndio nas dependências da Comunidade Terapêutica Liberte-se, localizada no Boqueirão, área rural do Paranoá, resultou na morte de cinco internos. Outras 11 pessoas foram encaminhadas para o Hospital Regional Leste (no Paranoá) e para o Hospital Regional da Asa Norte (Hran), com queimaduras e intoxicadas por inalação de fumaça. Segundo o Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, chamas altas saiam do telhado e o fogo se espalhou por diversos cômodos da casa. As vítimas fatais são Darley Fernandes de Carvalho, José Augusto, Lindemberg Nunes Pinho, Daniel Antunes e João Pedro Santos. 

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O fogo teve início por volta das 3h da manhã. A operação realizada pelo Corpo de Bombeiros (CBMDF), contou com a atuação de 10 viaturas. Ao chegar à clínica, militares se depararam com uma grande quantidade de fumaça densa saindo do interior da clínica. Além disso, altas chamas saiam pelo telhado.

Antes da chegada dos bombeiros, vizinhos e internos de outra unidade da clínica tentaram salvar as pessoas que estavam dentro da casa. Daniel Gonçalves, de 24 anos, mora no local há pouco mais de cinco meses e estava dormindo em outra unidade da instituição, próxima ao local do incêndio, quando ouviu os pedidos de ajuda. "Acordei com os meninos gritando e começamos a procurar a chave da casa que estava trancada. Quando a gente viu, a sala estava pegando fogo e eles estavam ficando sufocados", relata Daniel.

O interno disse que, pouco tempo depois do início do incêndio, era possível ver algumas pessoas desmaiadas. "Começamos a quebrar as janelas e a chamar todos para o mesmo quarto, mas alguns não conseguiram, acho que já estavam desmaiados por causa da fumaça", recorda. 

Outro paciente do instituto, Luís Nascimento, 57, conta que acordou com os gritos e imaginou que pudesse ser uma briga. Ele lembra que a residência estava toda trancada, com grades e cadeados nas portas e janelas. Além disso, o local não apresentava equipamentos fundamentais para o combate de incêndios. "Não tinha extintor, nem saída de emergência. Tivemos que entortar as grades para salvar as pessoas. Eu consegui salvar seis pessoas pela janela", conta. "Os que foram para o hospital saíram daqui bem machucados, queimaduras gravíssimas", enfatiza. 

"Eles trancaram todo mundo dentro da casa", a frase de indignação é de G.C.S, 24 anos, que é paciente em outra unidade da instituição, mas perdeu seu irmão, João Pedro da Silva, um ano mais velho, no incêndio. Ele relatou que as clínicas do grupo não tinham condições nem preparo para oferecer segurança aos internos. "Na casa onde meu irmão estava, não tinha nem extintor de incêndio. O forro (do teto) era de madeira antiga e eles nos mantinham trancados durante a noite toda", afirma.

Consternado pela morte do filho, Dione da Silva Oliveira, afirmou que a clínica só avisou sobre o incêndio cerca de oito horas após o ocorrido. "As mensagens que eles mandavam no grupo (de WhatsApp) não informavam nada sobre o incêndio. Era como se nada tivesse acontecido", lamenta.

Dione mostrou as mensagens, nas quais o incêndio só foi comentado horas depois. O pai acredita que a administração da clínica escondeu o caso. "Eles não nos falaram nada, só fomos tomar conhecimento de manhã, pelo noticiário", completou.

Após o incêndio, os internos da unidade da clínica, localizada no terreno ao lado, foram liberados para passar o restante do fim de semana em casa. "Eles falaram para arrumarmos nossas coisas que seríamos liberados. E ainda nos orientaram a não falar com ninguém sobre o incêndio", denunciou G.C.S. 

Segundo a Secretaria de Proteção da Ordem Urbanística do DF (DF Legal), na última fiscalização, a clínica apresentou licença de funcionamento válida e regular. "A informação anterior, de que a clínica havia sido interditada, decorre de equívoco na pesquisa, pois existe outra clínica de mesmo nome e dono, em Sobradinho, que não possuía licenciamento e, essa sim, foi interditada", informou em nota.

Vizinhos

Rafaela Souza, 43 anos, professora e moradora da região há 30, relatou que a relação com o Instituto sempre foi próxima. Segundo ela, os integrantes costumavam ajudar nas chácaras vizinhas com hortas, pequenos reparos e até mesmo refeições compartilhadas. "Eles sempre foram muito solícitos. Nunca tivemos problema com relação a isso, não. Sempre foram bons vizinhos", contou ao Correio. Rafaela explicou que a clínica principal funcionava havia quatro anos em outra área e que, há cerca de oito meses, o grupo alugou a chácara atingida pelo incêndio

Moradora da Região há 30 anos, a professora Rafaela Souza afirma que ouviu os primeiros sinais do incêndio por volta das 2h. "A gente escutou, no primeiro momento, tipo os estalos. E aí a gente começou a entender gritos entre eles, só que a gente pensou que pudesse ser alguma briga interna, porque de vez em quando acontecia", lembra. Pouco depois, os vizinhos ouviram pedidos de socorro e gritos de "fogo", o que levou à mobilização imediata. "Foi terror e pânico. Eu estou até agora sem dormir", disse.

Segundo Rafaela, o portão estava trancado e precisou ser forçado por moradores para que os primeiros pacientes pudessem sair. "Quando a gente viu que era fogo, realmente, os meus filhos já correram para o portão, abriram, e vinham uns três pacientes mais ou menos", contou. Muitos saíam tossindo, sem ar, enquanto os vizinhos ajudavam no resgate. "A gente já correu todo mundo, já pegou os baldes para poder pegar a água da piscina para ver se jogava, mas foi tudo muito rápido. Muito triste", relembrou.

A moradora também criticou a demora no atendimento. "Demorou muito para o bombeiro chegar. Por ser uma região próxima, não vai mais de cinco minutos", desabafa. Ela disse que chegou a enviar áudios desesperados durante as tentativas de contato com os bombeiros. "Foi cena de guerra. A gente com a lanterna do celular, porque não tinha energia, não enxergava nada. O pessoal foi abrindo as janelas, abrindo as grades e puxando as pessoas", detalhou.

O incêndio é investigado pela 6ª Delegacia de Polícia do Paranoá. O delegado-chefe Bruno Carvalho, responsável pelo caso, atenderá a imprensa hoje, na delegacia, às 14h30. A corporação apura as condições de internação dos paciente e de regularização do espaço, submetido a perícias ontem.

 Comunicado

Em nota, a direção do Instituto Terapêutico Liberte-se lamentou o incêndio ocorrido em suas dependências, que resultou em cinco mortes. A instituição manifestou solidariedade às famílias e amigos das vítimas e garantiu que está colaborando com as autoridades para esclarecer as circunstâncias da tragédia.

"Lamentamos profundamente o trágico incêndio ocorrido em nossas dependências na madrugada deste domingo, que resultou em perdas irreparáveis. Manifestamos nossa solidariedade e consternação às famílias e amigos das vítimas, compartilhando a dor deste momento de imensa tristeza."

A clínica declarou que está em contato com as autoridades competentes e que se coloca à disposição para colaborar com as investigações. "Fornecendo todas as informações necessárias para esclarecer as circunstâncias do ocorrido. Reiteramos nosso compromisso com a transparência e com a apuração rigorosa dos fatos." 

Ed Alves/CB/D.A Press -
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https://www.correiobraziliense.com.br/webstories/2025/04/7121170-canal-do-correio-braziliense-no-whatsapp.html 

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